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Seriedade? A gente não vê por aqui. O caso “Prevent Senior”

Questão de ciência

Recentemente, mais um escândalo envolvendo a atuação do governo brasileiro no enfrentamento da pandemia causada pelo SARS-COV-2, vem sendo noticiado. Desta vez, trata-se do uso indevido de pessoas em um ensaio clínico.

 

“O caso Prevent Senior é o maior escândalo médico da história do Brasil...”

Carta Capital

 

“Entenda como a família Bolsonaro promoveu a Prevent Sênior”. Estado de Minas

 

“Com caso Prevent Senior, aumenta pressão por extensão da CPI”. O Globo

 

 

Segundo as reportagens na Globonews e outros meios de comunicação, a empresa Prevent Sênior teria conduzido um ensaio clínico sem a concordância dos participantes (pacientes), além de manipulado dados no referido estudo sobre tratamento de Covid à base de cloroquina e azitromicina, além da ivermectina.

Foi enfatizado ainda o mascaramento de efeitos adversos graves durante a condução do experimento, em que sete pacientes que vieram à óbito não foram considerados na avaliação final do estudo.

Não é segredo que o estudo foi, em diversas ocasiões, defendido e “promovido” pela família Bolsonaro, o que estimulou uma legião de desinformados a aceitar esta prática e tê-la como uma das “curas” milagrosas para o Covid-19, mesmo não havendo confirmação de sua eficácia por estudos nacionais (ou internacionais).

Dentre as farmacêuticas que se beneficiaram com o estudo mergulhado em fraudes, conhecido como “Kit Covid”, cito a Vitamed, que se beneficiou com a venda principalmente de ivermectina; além de ter financiado a publicação em jornais e revistas de um manifestado do grupo “Médicos pela Vida”, formado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro para a promoção do Kit Covid (sem eficácia).

 Este é considerado o maior escândalo na história da medicina brasileira. Mas por quê? Primeiro, é importante lembrar que toda pesquisa com uso de seres humanos deve ser avaliada pelo comitê de ética em pesquisa, para garantir os quatro referenciais básicos da bioética que são: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, e garantem assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos de pesquisa e ao Estado. 

Todas estas normativas estão descritas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que se baseia em importantes documentos internacionais sobre pesquisas que envolvem seres humanos - como o Código de Nuremberg (1947), Declaração dos Direitos do Homem (1948) e a Declaração de Helsinque (1964).

Claramente, o princípio da autonomia e não maleficência não foram cumpridos no trabalho aqui citado, pois os participantes não tinham conhecimento da pesquisa que estava sendo conduzida. Dentro ainda do principio da autonomia, é interessante enfatizar que para garanti-lo, é necessário o estabelecimento do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), que traz todas as informações ao paciente sobre a pesquisa desenvolvida, além de explicitar quais os seus direitos, o que inclui a saída do experimento a qualquer momento.

Trago abaixo a transcrição do código de ética do profissional médico (do Conselho Federal de Medicina) e todos os capítulos que versam, de forma distinta, sobre a necessidade de consentimento do paciente, tanto em situações corriqueiras no âmbito dos procedimentos como em situações de pesquisa.

 

“Capítulo III “

RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

 É vetado ao profissional médico: Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal.

“Capítulo IV “

DIREITOS HUMANOS

É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

 “Capítulo XII”

ENSINO E PESQUISA MÉDICA

É vetado ao profissional médico: Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.”

 Ademais, finalizo enfatizando que um estudo que mascara, altera ou faz qualquer tipo de manipulação dos dados é prontamente invalidado pela comunidade científica. Não há nenhuma explicação que possa ser utilizada como justificativa para tal feito.

Este estudo não foi e nem será publicado em nenhuma revista científica, simplesmente porque ele não tem o rigor e ética necessários para a publicação. Ressalta-se ainda, que, da forma como foi conduzido, não gera nenhuma evidência científica forte ao ponto de basear uma recomendação local, regional e quiçá nacional.

 Abraço,

Rafaella

Rafaella Albuquerque

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