Shiii!!
Silêncio. O silêncio pode ser maravilhoso para escutarmos o que vem de dentro.
Maravilhoso para nos conectarmos conosco e assim, nos conectarmos melhor com o mundo e com quem nos cerca. Porém, o silencio também pode ser castrador, limitador.
SILENCIO: PRESENTE
No momento em que todos nos encontramos, vivemos um convite ao silêncio. O silêncio reflexivo, que possibilita transformação, possibilita entender o mundo por um outro ponto de vista; entender e enxergar o mundo com outros olhos... no entanto, esse silencio que vivemos traz à tona outras formas de silenciar.
Na impossibilidade de compartilhar nossa arte em tempos de exílio, surgem outras maneiras de interação: internet via redes sociais, por exemplo. Elas se tornaram uma excelente plataforma de comunicação e de manutenção do fazer artístico, político e o que mais nos permitimos de forma mais intensa e criativa que antes. O universo das lives se propagou numa proporção inimaginável. Tem live de tudo o que se pode imaginar a qualquer hora que se desejar. E NENHUM PROBLEMA QUANTO A ISSO.
Quem gosta, precisa, se sente a vontade, usa como ferramenta de solidariedade, tem mais é que fazer mesmo. Mas quem não quer também tem que ter o direito de não querer respeitado e validado. Mas o silêncio daqueles que não se manifestam dessa forma incomoda de maneira direta ou indireta. Cria-se uma nova forma de exposição, interação, comportamento e fica no ar a ideia, a sensação de que, se você não esta no mesmo ritmo de criação, ou se simplesmente não se interessa em fazer o mesmo, esta fora! Esta out! Seu silêncio o invisibiliza. Te apaga. Te exclui.
Vivemos um momento em que estamos sendo chamados para “dentro”. Literalmente.
E no entanto, buscamos uma maneira não de reinventar as relações e cobranças anteriormente estabelecidas num mundo tão competitivo, tão excludente, mas sim de continuar, de outra forma, a estabelecer os mesmos padrões de valores e comportamento. Você tem que se mostrar, você tem que se vender, você tem que ser solidário, politizado, articulado, criativo, você tem que... você tem que... você tem que... e se você acha que não tem que, se torna imediatamente um bicho estranho. Você é cobrado a fazer, a criar, a produzir, a continuar num mesmo ritmo acelerado de antes do mundo te pedir para parar. Para fazer diferente. O seu silêncio se traduz imediatamente em invisibilidade. Afinal de contas, “quem não é visto, não é lembrado”, não é?
Não! Não é! Não devia ser. A cobrança é tão grande que não fazer nada se torna um peso, praticamente. Como se o ócio tivesse, por obrigação, de ser criativo. O ócio criativo. Mas essa ideia é completamente contraditória quando a regra do ócio é não fazer nada. Quando você só tem direito ao ócio se ele for criativo, é como se você não tivesse o direito de parar. De não fazer nada.
“enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso, faço hora, vou na valsa... eu sei a vida não para. A vida é tão rara”.
Não fazer nada. Ficar em silencio, não significa estagnar no tempo. Porque este não para. O tempo tem o tempo que o tempo tem. Significa apenas mudar o rumo das suas prioridades, comportamentos, necessidades, desejos, sonhos, expectativas. Não ter expectativas. Aceitar o fluxo das coisas e viver o presente que é o único lugar em que verdadeiramente podemos influir. Quanto ao passado, nada podemos fazer. Passou. O futuro, ainda esta por vir. Só temos o agora. A própria palavra diz o valor do estado: é um presente. Fazer incessantemente é estar o tempo todo pensando no futuro mesmo que seja daqui a uma hora. Estar em silencio é estar aqui e agora. A vida nos solicita isso. Por gentileza mundo, nos permita isso. Se permita isso.
SILENCIO: AUSENTE
Diante da necessidade de olharmos para nós mesmos. De nos darmos um tempo, vem também a compreensão de uma série de questões intimas e também sociais.
Um momento em que estamos sós e as reflexões se fazem presente, pensamos sobre as escolhas que fizemos, os caminhos que escolhemos e onde eles nos levaram. Ficamos felizes as vezes, repensamos atitudes, comportamentos, escolhas em outras vezes. O momento é para isso também. E isso é bom. Mas também temos que conviver com o mundo real, digo prático. As contas que não param de chegar em contraposição com o dinheiro que parou de entrar. Será que vou conseguir manter minha casa? Minha vida? E se não? Como seguir adiante? Que caminho seguir adiante?
Todas essas questões trazem angustia, sofrimento, dor, ansiedade, medo. E nessa hora, até nessa hora, o racismo se faz implacável.
Quando uma pessoa branca esta mal, triste, deprimida, causa normalmente compaixão, piedade, comoção. Nos solidarizamos com o sofrimento branco. Quando essa pessoa é negra a situação fica bem diferente. É como se, a nós, não fosse permitido deprimir, dar um tempo pra si mesmo. Essa dor, quando na nossa alma, é tida como frescura ou coisa do tipo. Nossa dor não sofre a mesma empatia. Nossa dor é silenciada por considerações de chatice, manha, “isso não é coisa de gente preta, não!”. E com isso, nesse isolamento, somos silenciados na nossa reação a esse estado. A falta de escuta ou a falta de compaixão nos leva a silenciar o que sentimos aumentando assim as consequências dessa dor. A síndrome do pânico, a loucura, são males que acometem cada vez mais a população negra.
Esse silencio nos ataca desde sempre. As mães negras escravizadas tinham de “silenciar” seu afeto umas vezes para fortalecer sua prole, outras para não sofrer tanto com a dor da separação, visto que seus filhos não eram seus e sim dos seus “senhores”. Silenciamos nossa dor, para não apanhar mais, nosso ódio para não morrermos. No entanto, nada disso nos impediu de lutarmos pelos nossos filhos e amores, de lutarmos por nossa liberdade até a morte, como contam hoje os livros da história que não nos contaram na escola. Livros que mostram essa luta através de personagens que marcaram a historia do povo negro como Luiza Mahin, Luiz Gama, Dandara, Zumbi, João Cândido, Tia Ciata, entre tantos outros. Resiliência é nosso melhor predicado.
Mas a maneira de lidarmos com esse silenciamento imposto historicamente, criou marcas muito profundas nas relações do povo negro.
Hoje temos de reaprender a nos amar melhor, nos respeitarmos melhor, nos aceitarmos na nossa estética, e nós negros, estamos nos esforçando muito para isso. E estamos sendo vitoriosos. E precisamos entender que sim, sofremos desse mal invisível que reina nos tempos atuais que é a depressão, a ansiedade, o pânico. E sofremos mais por conta de toda carga histórica que se reflete no contexto social, cultural e econômico do povo negro.
Se esse momento em que estamos vivendo nos convida ao afeto, a atenção as pequenas coisas ao nosso redor, se nos convida a um olhar mais generoso ao próximo, que possamos aceitar esse convite e ampliar essa reflexão ao maior alcance possível. Porque “enquanto o mundo espera a cura do mal, e a loucura finge que tudo isso é normal, eu sei a vida não para! (...) o mundo vai girando cada vez mais veloz. A gente espera do mundo e o mundo espera de nós um pouco mais de paciência...” e de amor, afeto, respeito.
Tati Tiburcio
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