Soltar para não saltar
Munch
Sempre me interessei pelo comportamento humano – mesmo aqueles que não sejam exatamente os meus. Considero-me um observador relativista desde sempre, das primeiras manifestações do sentimento através da escrita, passando pelas aulas de teatro e pelo interesse por leituras avulsas sobre o que atravessa a humanidade. E, embora o livre viver ultrapasse qualquer entendimento, certas coisas pedem racionalização para não sucumbirmos e conseguirmos tocar a vida, seja no ritmo que for. Basta olhar em volta para ver que, na contemporaneidade, com a liquidez das trocas e a efemeridade no sentir, algumas pessoas não tem dado conta de equilibrar o racional e o emocional. E é por estas que resolvi escrever.
Num período de nove meses, o necessário para uma gestação saudável de uma nova vida humana, dois amigos escolheram não mais viver – quiseram morrer e assim o fizeram. Por mais que soubesse que pessoas cometem suicídio, fiquei completamente atônito e incrédulo. Foram momentos de choro e questionamentos por alguns dias. Tempo este o suficiente para perceber uma dificuldade social – eu “apenas” havia perdido um amigo no auge do seu desespero e outros pouquíssimos se predispuseram a conversar a respeito.
Desde então questiono a disponibilidade de escuta para os que, desorientados, necessitam reencontrar seu norte. Será que estes dois amigos, antes de seus definitivos gestos, tiveram espaço para desabar suas fraquezas ou se sentiram acuados e constrangidos para tal? Somos (ou deveríamos ser) cientes de que ninguém é responsável pelas dificuldades ou escolhas do outro, mas, entre outras cadeiras de estudo, as variadas vertentes da psicologia estão aí atestando que humanos precisamos soltar o verbo – para não saltar para o abismo. Mas será que só os divãs podem contemplar as escutas?
Nestes tempos de “tira o pé do chão” acaba sendo mal visto e sumariamente evitado aquele que ousa permitir-se entristecer. Todavia sabemos que, por trás de muitos sorrisos revelados nas redes sociais, camuflam-se aflições pessoais, em maior ou menor grau. E que depressão e outros transtornos psíquicos são diagnósticos constantes. Apesar disso, parece existir uma dificuldade em aceitar a que muitos não conseguem (mesmo!) perceber motivos, evidentes ou sutis, para manterem-se gratos, perseverantes, resilientes... e vivos! E não se trata de defender o pessimismo e viver como um cosplay do desenho animado Hardy, tampouco de apoiar uma vida pesada, com dor arrastada e sofrimento cativo, muito pelo contrário! Mas de estarmos alertas, atentos, generosos e fortes para entendermos que todos temos dias difíceis e que as peculiaridades tanto para a estagnação, quanto para o avanço pessoal são muito subjetivas.
Qual foi a última vez que você ouviu o “lamento” de alguém sem se incomodar ou julgar, mas exercitando sua paciência e compaixão?
Quando descobriu a empatia e colocou-se à disposição de alguém que não estava em seus melhores dias, empenhando-se apenas em ser um ombro amigo e estar presente?
Afinal, existe uma métrica para o bem viver?
Descobriram a fórmula da felicidade - que não sejam as doses químicas de alegria e bem estar encapsuladas em prateleiras?
Realistas, otimistas, pessimistas, “deboístas”, indiferentes, pessoas em transição, questionadores e críticos estão por toda parte. Talvez num dia nos consideremos parte de um grupo e, logo depois, sejamos rotulados em outro. Este texto não pretende entregar respostas, mas ressaltar que termos com que contar – e verdadeiramente disposto a nos ouvir – pode ser determinante.
Bruno Morais
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