Coletivo Indra

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Ética na Política ou ética da política?

Quando o assunto é política, nós sempre encontramos debates calorosos.

UMA DISCUSSÃO QUE PERMANECE VIVA É A RESPEITO DA ÉTICA NA POLÍTICA. OU SERIA ÉTICA DA POLÍTICA?

Qual a diferença entre “na” e “da” neste caso? Vamos por partes. 

Tanto o filósofo estagirita Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) como o pensador italiano Nicolas Maquiavel (1469-1527), baluarte da política moderna, dividem as esferas públicas da privada. Para Aristóteles, a ética trata de virtudes numa esfera individual, dizem respeito a doutrina moral na vida privada. Enquanto a política diz respeito à moral social, às normas e princípios de gestão da vida pública. Maquiavel fez questão de expor uma ética específica para a vida política, argumentando como o “Príncipe”, isto é, o governante precisa agir para organizar e conservar o poder político. 

No Brasil, a filósofa Marilena Chauí (1941) e o filósofo José Arthur Giannotti (1930) fazem alusão a diferença entre ética e política, ressaltando equívocos em mistura-las. Em entrevista Giannotti disse que a política é amoral. 

“Entenda-se, aqui, como amoralidade, não o conceito correlato de imoralidade, mas como um espaço delimitado dentro do qual se suspenderia os conceitos de moral. As ações políticas tomadas dentro desses limites estariam, portanto, isentas de conceitos, tais como, certo ou errado e, por via de consequência, de legal ou ilegal. Seriam paradoxalmente necessárias para o funcionamento da democracia”.

Partindo da filosofia política de Aristóteles, Marilena Chauí disse que Aristóteles distinguiu “o espaço público da política e o espaço privado dos interesses pessoais e grupais (...) justamente por haver separado o público e o privado,  Aristóteles pode distinguir entre virtudes privadas e virtudes públicos. Ele pensou numa ética pública”

Um equívoco comum é a analogia da gestão da casa com o governo. Em termos mais elaborados, a política tem uma ética própria. Isso não quer dizer “oba-oba”, bagunça e vale tudo. Porém, não podemos confundir uma decisão política com uma escolha privada. O fazer político pressupõe instituições. Nas democracias ocidentais, o Estado opera tripartido: legislativo, executivo e judiciário. Os três são independentes. Cada instância de poder precisa ser limitada pelas outras. Por exemplo, o judiciário não pode legislar.

É IMPORTANTE COMPREENDERMOS QUE A ÉTICA DA POLÍTICA DEVE SER PRATICADA NAS INSTITUIÇÕES.

Veja o quadro abaixo:

Cada instância de poder tem atribuições específicas. De modo básico e resumido, cabe ao Executivo nas três esferas, administrar o governo, sancionar ou não leis feitas pelo Legislativo, tomar decisões nas mais diversas áreas, saúde e educação, por exemplo.

O Legislativo tem poder de fiscalizar as ações do Poder Executivo, além de criar e aprovar leis em favor do conjunto da população.

Ao Poder Judiciário cabe  garantir o cumprimento da Constituição, das leis e decidir sobre conflitos entre grupos e pessoas. Por exemplo, coube ao Judiciário, em sua instância máxima o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre a constitucionalidade das cotas raciais.

Um problema político é quando as três instâncias de Poder entram nas atribuições alheias. Daí, a crítica ao fenômeno da judicialização da política, expressão que significa que as decisões da Justiça interferem no Executivo e Legislativo, criando impactos negativos na economia e na vida social. Do mesmo modo, é ruim que o Executivo deseje legislar.

A ISONOMIA DOS PODERES É FUNDAMENTAL PARA UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA.  

Judiciário, Legislativo e Executivo são instâncias políticas que precisam estar atentas às suas atribuições, sem ultrapassar seus limites. Daí, a defesa da ideia que abriu esse artigo: ética da política ao invés de ética na política. O que de modo prático pode ser traduzido como cada instância de poder político realizando as suas virtudes. No quadro de virtudes e vícios, o que convém ao Legislativo não diz respeito ao Judiciário e assim por diante. 

A defesa de uma ética da política é a observação atenta aos princípios que sustentam cada Poder. Quando o Legislativo julga, ele está desvirtuado. O que cabe a cada Poder pode ser definido de modo sumário, Judiciário garantir a Constituição. Legislativo legislar em favor do povo e fiscalizar o Executivo. Ao Executivo cabe fazer a gestão do governo, acolhendo e recusando leis e implementar políticas públicas para o povo. Para cada uma das funções existem virtudes específicas.  As quais não têm nada a ver com aquelas que usamos diante de um dilema moral pessoal.

A ética da política não é neutra. Ela se dá em arenas de conflitos, onde os princípios estão sendo disputados por narrativas de vários agentes políticos. A política requer a consciência de que o seu papel é gerenciar os conflitos. Portanto, se trata de uma ética que emerge dos conflitos administrados institucionalmente. A ética da política nasce num contexto em que o fazer política é uma arte de apagar incêndios usando equipamento emprestado. 

Renato Noguera

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