Coletivo Indra

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Torcer e fazer política

As eleições de 2018 e o desenrolar de embates polarizados no ano seguinte foram fenômenos políticos muito interessantes. Mas, aqui não iremos examinar os seus macro-elementos detidamente. Sem dúvida, nós teríamos eventos curiosos como o declínio do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB). Qual o porquê do PSDB ter ficado fora do 2º turno pela primeira vez desde 1994?

Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores (PT) mesmo diante de denúncias de corrupção e com o seu maior líder preso durante as eleições de 2018 manteve a tradição de disputar a 2ª etapa das eleições. Nos anos de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014: o PT ficou frente à frente com o PSDB, derrotando este quatro vezes e perdendo em duas ocasiões. Em 2018, ano da quarta derrota do PT em eleições presidenciais, foi o Partido Social Liberal (PSL) que se sagrou vencedor. No ano de 1989, a derrota foi para o Partido da Reconstrução Nacional (PRN).

Após esse brevíssimo balanço, a pergunta que quero compartilhar é a seguinte: a categoria torcida se aplica às eleições (presidenciais, por exemplo)? Existem pessoas torcedoras do PT, PSDB, PSL e PRN? Então, muitos “torcedores” do PSDB em 2014 mudaram de “time” em 2018?

MAS, A IDEIA DE TORCIDA SE APLICA A FENÔMENOS POLÍTICOS?

Resposta: não. Daí, poderíamos dizer que a frase: “Fulano, não gosta do presidente, ele torce contra o país” é inadequada.

O verbo “torcer” diz respeito a girar, enrolar e enroscar. Em inglês cheer que significa animar, incentivar, encorajar. Em francês encourager que significa encorajar, animar, incentivar. Na história do futebol brasileiro, torcer virou sinônimo de incentivar um time por conta das mulheres que nos anos de 1930 torciam lenços enquanto assistiam às partidas. 

Pois bem, considerando que a natureza do jogo de futebol não é a mesma da política; torcer, animar e encorajar não se aplicam a um debate político qualificado. Políticos não são atletas ou artistas. Nós podemos admirar e torcer por profissionais dos esportes e das artes. As pessoas que se candidatam a cargos públicos legislativos e executivos precisam ser avaliadas por critérios embasados em perspectivas políticas.

Fazer política não é torcer, porque não está em jogo uma taça ou um título. Porém, um projeto político que visa manter ou transformar aspectos econômicos, de mobilidade urbana, de implementação de programas em diversas áreas estruturais, formulação de leis, execução de planejamentos estratégicos, dentre diversos outros. As perguntas simples continuam, um título estadual, nacional ou internacional parece com uma ação do Estado para intervir no câmbio e valorizar o Real diante do Dólar? Ou a implementação de uma política habitacional? A resposta é: não.

FAZER POLÍTICA NÃO TEM A VER COM TORCER.

Nós podemos torcer pelo nosso time. Mas, não torcemos para partidos ou programas políticos. Nós concordamos ou não com determinados programas. O que está em jogo é outra coisa. Por isso, a expressão abaixo é falsa: “eu não sou partido ‘tal’, eu sou Brasil, independente de esquerda ou de direita: temos que torcer. Se Beltrano ganhasse, eu estaria torcendo a favor”. O programa de um partido não é idêntico ao de outro. Não podemos torcer por políticas diametralmente opostas. Por isso, existem partidos com programas diferentes. Daí, a expressão, “não existe direita ou esquerda, existem pessoas de bem que pensam no país e picaretas”, também é muito perigosa. Porque não passa de balela e coloca a política no campo da moral.

Política é feita por elementos morais; mas, é reducionista reduzi-la a quesitos como honestidade e “bons costumes”. Porque o que está em jogo são projetos e programas. Sem dúvida, podem ser executados de modo honesto ou não. Porém, precisamos decidir qual projeto queremos, porque é baseado nele que a sociedade é desenhada. 

Por isso, precisamos compreender que as palavras Centro, Direita e Esquerda fazem sentido político e não podemos tomá-las como times.  Porque não estamos atrás de um título que será motivo para fazer piadas e galhofas com o clube adversário. Não se trata de caçoar do Cruzeiro se você é torcedor do Atlético Mineiro e vice-versa. Ou ainda, torcer para o Grêmio ganhar o campeonato estadual com o objetivo de fazer troça de torcedores do Internacional. Um projeto político pode acabar com parte do parque industrial de um país se decide que o eixo da produção nacional deve ser o setor da agricultura e pecuária exclusivamente.

Outro projeto pode reindustrializar o país e manter a produtividade agro-pecuária através da agroindústria ao invés de trabalhar com a concepção de agronegócio. Por exemplo, no contexto do agronegócio: é importante plantar, colher e vender o café em grão. Na conjuntura da agroindústria: quando o assunto é café. O que está em jogo é implementar diversos programas de desenvolvimento industrial em torno desse produto. O que irá acrescentar muito ao plantar, colher e vender o café em grão. Daí, diversas atividades, tais como fabricar cápsulas de café para máquinas, criar produtos estéticos oriundos do café como xampus e cremes hidratantes, protetor solar, brinquedos feitos com subprodutos do café, confecção de roupas e acessórios (bolsas, carteiras, malas, mochilas) com tecidos de café, por exemplo.

O que vai aumentar a linha de produção, o desenvolvimento de mais tecnologia para criação desses produtos, ampliação da rede de serviços de marketing e venda.  O que inevitavelmente vai empregar mais pessoas do que plantar, colher e vender. Não é torcida. Porém, são duas concepções. De um lado, a aposta na vocação agrária do Brasil. De outro, um projeto nacional desenvolvimentista de ampliação da indústria existem outras concepções quando o assunto é a produção agrícola. Mas, vamos nos deter somente nesses dois para ilustrar a questão de que não podemos ficar de torcida organizada.

Se o assunto for mobilidade urbana, nós podemos imaginar uma cidade litorânea, cortada por rios. A prefeitura pode ter agendas variadas. Um governo com uma agenda em que a mobilidade esteja no eixo estrutural de redesenhar a cidade. Daí, ao invés de se preocupar com medidas que favorecer o uso de carros, criando mais viadutos para locomoção individual. Um governo pró-mobilidade urbana como eixo estratégico pode redesenhar as ligações entre os diversos pontos da cidade em transportes coletivos, percurso por bicicleta e ampliação de transportes pluviais, implementando obras que estimulem o uso de barcas.

Num prazo de uma década: esse grupo político projeta que esses programas de mobilidade diminuirão significativamente engarrafamentos, melhorando a taxa de mobilidade para toda população e expandido a ocupação de espaços públicos como praças e parques. Em resumo, uma pessoa pode sair de um bairro atravessado por um rio e chegar ao Centro comercial da cidade em 25 minutos usando transporte pluvial, estação de barcas e vai poder ocupar mais espaços públicos como praças e parques. No outro caso, uma pessoa pode dirigir o seu próprio carro num período que varia de 40 minutos a 01:30h para fazer o mesmo trajeto, gastando com  combustível, pedágio e estacionamento diário, além de ver a diminuição dos espaços públicos. Ora, mesmo que uma pessoa seja “carro-dependente”, ela pode acolher o segundo projeto político que diminuirá o fluxo de carros e vai melhorar a qualidade de vida de toda população. Isso não é torcida; mas, decisão política. 

De volta aquela afirmação feita antes, “Fulano, não gosta do presidente, ele torce contra o país” é uma frase inadequada. Uma pessoa não torce contra o país, ela discorda de um programa político, das diretrizes de um partido e do projeto que uma candidatura encarna. O que é muito diferente de uma paixão pelo seu clube de futebol. Política não pode ser resumida a um espetáculo. O “desgosto” por uma figura política está vinculado ao projeto. As pessoas não vivem mudando de time. Porém, a fidelidade a partidos e candidatos é muito menor do que o vínculo a um clube. Muita gente nasce e morre torcendo pelo Botafogo, Fortaleza, Vasco, Fluminense, Flamengo, Vitória ou Bahia; mas, no Brasil até mesmo figuras nacionais trocam de partido.

Porque o fazer político não pode ser resumido como animar, encorajar e aplaudir através de um vínculo emocional. Fazer política é definir qual sociedade nós queremos viver. Nada a ver com sair com um similar do troféu de campeão bêbado e fazendo galhofa com a torcida adversária. A escolha política é um ato lúcido. A escolha começa definindo a sua nuance política: extrema esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita ou extrema direita. O que é assunto para o próximo capítulo.

Que venha 2020

Renato Noguera

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