Um abraço à compaixão
Quero propor uma reflexão em razão do debate que sucedeu a reportagem do médico Drauzio Varella sobre a situação das presas trans, quando veio a público o crime que teria levado ao cárcere a entrevistada que gerou mais comoção nos expectadores, após relatar sua situação de solidão e receber um abraço do médico.
Os maiores crimes cometidos ao longo da história humana, sejam aqueles que marcaram o mundo, ou que chocaram as populações envolvidas, e aqui no Brasil temos alguns casos emblemáticos, todos eles, sem exceção, foram cometidos por seres humanos.
Esse comentário pode parecer jocoso ou banal, mas quero chamar atenção para a humanidade de um criminoso. Não adianta querermos desumanizar a pessoa que pratica um ato cruel e por vezes inominável, como forma de afasta-la daquilo que somos. Negar a condição humana destes, é apenas querer fechar os olhos para o lado mais perverso que todos podemos ter, e tentar se colocar num patamar de superioridade que não existe.
Não há monstros lá fora e os que estão presos por crimes graves são filhos, pais, netos ou companheiros de alguém. Não surgiram por geração espontânea para acabar com a vida de uma pessoa ou destruir uma família. Foram indivíduos que, por alguma razão, seja ela social ou psíquica, foram levadas a isso. Não podemos perder isso de vista e achar que os criminosos são diferentes de qualquer um de nós.
Dr. Drauzio não erra ao abraçar uma presa responsável por acabar com a vida de uma criança, mas oferece aquilo que talvez seja o único instrumento que pode transformar aquela pessoa e resgata-la do seu sofrimento, que é a sua compaixão. Certamente ele faria o mesmo pela criança. Aliás, foi compaixão a família da criança que demonstrou ter ao pedir desculpas pela reportagem, que os fez reviver uma perda tão triste.
Tenho pra mim, que aqueles que se sentiram traídos pela reportagem, ao descobrir que foram levados a sentir empatia por uma pessoa que praticou uma ato cruel, querem esconder, ou evitar olhar, para a própria maldade que são capazes de executar. Também não os culpo por isso, pois somos educados a pensar de forma contrária, levados a acreditar que temos algo de especial e que somos únicos, defendendo certas virtudes que parecemos ter.
E quando vejo alguém defendendo que uma pessoa deva apodrecer numa cela ou ser morta de maneira cruel, como forma de justiçamento, é essa maldade que vejo vir à tona, e que mostra o potencial de perversidade que estava escondido naquele que também é um ser humano. Será que defender a morte ou o linchamento de um delinquente, te afasta ou te aproxima dele?
Do meu lado, eu prefiro cultivar aquilo que há de bom na minha humanidade, e tentar ser mais como o Drauzio. Uma vez escrevi aqui que era o brilho no olhar que nos salvaria, e acredito que é através dele que podemos enxergar o que há de humano em todos, reconhecer o sofrimento alheio, como o meu próprio, e permitir emergir a compaixão por todos os seres.
Arthur Spada
Instagram @arthurspada
Siga no instagram @coletivo_indra