Coletivo Indra

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Um copo, Uma maca, Um prato

Foto de Vinícius N. (@calmatormenta)

Sozinho no sofá, enquanto assistia o episódio final de “Sob Pressão - Plantão Covid” me vi acometido por elucubrações nativas do insano e indecifrável ato de existir. Elas me acompanharam até a mente repousar no travesseiro. Com toda sua riqueza temática socialmente relevante e cotidiana, a excelente série da Globo, naquele dia, naquela noite, naquele reencontro com velhas conhecidas inquietações, afetou meus sentidos e despertou emoções das mais paradoxais. 

Entre:

sedação & euforia

lágrima rio-pessimista & sorriso fio-esperança

impotência & iniciativa

descrença & resistência

Senti:

Que estamos no abismo da nossa própria existência. Nos desprendemos do EU e TODOS e caímos na movediça areia do EU e O TODO. A redoma onde escolhemos criar escudo, eixo e raíz, desperta os instintos mais primitivos, letais. Esse permanente processo de desumanização corrói consciência, seca doçura e faz com que não vejamos nada à nossa frente além da projeção ideal e sedutora das nossas necessidades, expectativas e vaidades. 

Volta e meia 

pensamento vagueia 

Sóterra 

Sómar

Sónada

Sobre:

coisas singelas e cotidianas, mas cujo simbolismo do fato é tão forte que têm o poder de equiparar as pessoas, de fazer com que olhemos o outro enxergando a nós mesmos. Sem cair no discurso do didatismo religiOCO, mas um reconhecimento autônomo e verdadeiro que mostra que estamos juntos na nossa individualidade egocêntrica. As embarcações são diferentes, mas o mar é mesmo. Água que ora transborda, ora escassa, ora afoga, ora impulsiona, ora é imensidão, ora é gota. Mistério-corrente-incerteza!      

A sede

A fome

A morte

Estados que estamos ainda que fugazmente imaginados. Eles igualam e aproximam sem formalidade, sem ‘préconhecimento’, sem ‘préconceitos’, sem apostos de posse, títulos, mérito e sorte. 

No bar, na areia da praia, num estádio de futebol, no carnaval… Um copo de cerveja expurga a simpatia reprimida, redefine a cordialidade forjada na história mal contada, afrouxa o sorriso que desaprendemos a dar. O sol amarelo manga queima, refresca, se põe igual. 

A fome é dolorosa, sombria, hedionda. Já encaramos sua face em algum momento. A diferença está no tempo. Para alguns a imagem dissipa no ar, enquanto para outros ela permanece ali açoitante, alojada na falta que paralisa, atormenta. Um bem de poucos na mesma proporção que é um direito de todos.        

Ao ver o aceno da morte encontramos (mais uma vez) nosso eu-ninguém. Somos um nada que não é apenas está. Uma passagem cega e transitória. Sentir o risco eminente da sua presença na sala de espera de um hospital, numa recepção de UTI ou no bucólico jardim de um cemitério, desnuda toda presunção e empáfia que nos faz acreditar que humanos em desuso estão à frente de outrem.  

hoje onde: 

a presença se faz na ausência

zelar pela minha vida é zelar pela vida do outro  

a ausência nos faz dar valor  

Exercitar a empatia é crucial para vermos que ninguém é o centro do universo. Ele se une, se inverte e converge nas mais adversas e infinitas composições. Pedir licença, sentar-se à mesa, olhar para o outro e escutá-lo é um passo importante para que os verbos sejam conjugados na terceira pessoal do plural com maior frequência, naturalidade e afeto. 

Felipe Ferreira

Instagram @ostrafelipe