Hoje à noite ocorre a 15ª edição do Prêmio APTR de teatro. Negra Palavra: Solano Trindade está indicado em duas categorias: melhor espetáculo adaptado ao vivo e prêmio especial para o elenco. Coincidência, ou não, o sonho que resultou nesse trabalho também completa seu décimo quinto ano.

Voltemos a 2006, com o encontro com a, então professora,  Conceição Evaristo. Conceição, carinhosamente, retirou dos meus olhos a venda do eurocentrismo. Na dedicatória do seu primeiro livro, ela escreveu, há 15 anos:

“Renato, o calor da roda aumenta com o vigor de cada participante. Foi bom você ter vindo.”

O caminho estava aberto para mim. A roda aumentou a velocidade do giro com o impacto das palavras de Solano Trindade. O projeto passou a existir: um espetáculo de teatro com as poesias de Solano tendo Conceição como madrinha.

Após alguns anos, inúmeros editais e tentativas de financiamento, sem sucesso, eis que um novo encontro dá um sentido maior para tudo.

Em 2015, um menino de 21 anos, chamado Éliton, se interessou pela nossa companhia e participou de um curso que investigava a relação da poesia com a cena. Ao eleger um poeta para seu trabalho final, lá estava ele com o livro do Solano na mão.

Encantado, perplexo de se reconhecer na poesia do Poeta do Povo: “Então existe um poeta negro como eu...”.

Ton, mesmo com pouquíssima experiência em teatro,  mergulhou na biografia de Solano e criou um roteiro de 15 minutos, onde costurou vida e obra do poeta. Guardo esse roteiro até hoje, como um tesouro mais do que precioso.

Nascia ali o nosso Solano!

No ano seguinte, 2016, incentivado pela empolgação de Ton, reuni outros 9 atores, todos mais experientes, para iniciarmos a pesquisa para o espetáculo. Na primeira reunião combinei com Ton que ele apresentaria o seu roteiro para os outros atores, que praticamente desconheciam a obra do poeta.

O que aconteceu naquele dia está gravado indelevelmente em nossas almas. Ficamos tão impactados que esquecemos de gravar ou fotografar.

O único registro que existe é o que realmente importa: nossas memórias. Tom, o mais inexperiente de todos, foi um gigante.

Aquele menino, na sala da minha casa, fez um espetáculo que emocionou e desafiou a todos. Não seria mais possível adiar aquele trabalho. Ton escancarou a sua urgência com garra de veterano. Decidimos seguir a pesquisa enquanto entendíamos como viabilizar o trabalho.

Foi quando, em junho de 2017, na noite do seu aniversário de 23 anos, Ton foi brutalmente assassinado.  O crime ocorreu na presença de amigos seus, portanto não há dúvida sobre quem são os assassinos.

Tampouco há alguma dúvida sobre a covardia: ele recebeu uma paulada com um taco de beisebol na nuca. Os assassinos seguem soltos.

Na sua despedida conhecemos sua família. Foi quando um novo encontro aconteceu. Lá estava seu irmão mais novo: Adriano que, com uma luz inexplicável, mesmo dilacerado pela perda do segundo irmão em menos de 40 dias, amparava não só sua mãe, como vários amigos e familiares.

Algumas semanas antes do assassinato, na noite em que comemorávamos meus 50 anos, Eudes Veloso prometeu para Ton que estava impaciente com a demora do processo, que produziria o espetáculo de qualquer maneira.

Movidos pelo sonho de Ton e pelo sopro de vida trazido por Adriano, nos movimentamos para um outro encontro, tão fundamental quanto os anteriores: a parceria com o Coletivo Preto.

E, assim, Negra Palavra: Solano Trindade estrou em 2019, no Sesc Tijuca, mesmo palco onde, alguns meses antes de morrer, Ton estreou no teatro, dirigido pelo Rafa Sieg, meu irmão e parceiro de Companhia. 

Se vamos ganhar algum prêmio hoje à noite ainda não sei, mas, sem dúvida, aproveito a oportunidade para celebrar os encontros que o teatro proporciona:

Solano, Conceição, Ton, Adriano, Eudes, Orlando, Drayson, Muato, Lucas, Thiago, Rodrigo, Américo, Breno, Jorge, Thati, Sieg, Elias, Julia, Leandro e tantos outros...

E agradeço o privilégio de ter sido escolhido por Ton para ser seu padrinho, junto com minha outra irmã Gaby Haviaras.

Qualquer prêmio para esse trabalho, Ton, será sempre um prêmio seu!

Se vamos ganhar algum prêmio hoje à noite ainda não sei, mas, sem dúvida, aproveito a oportunidade para celebrar os encontros que o teatro proporciona.

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