Um teatro para não morrer!
FAÇO TEATRO HÁ 40 ANOS E HÁ 40 ANOS O TEATRO ME FAZ.
Hoje, passados anos, estou sola em cena com o espetáculo “Para Não Morrer”, da obra do necessário Eduardo Galeano, que traz historias verídicas de mulheres que viveram e lutaram pela liberdade e pela justiça em várias épocas e lugares do mundo. Sim, senhores... Um espetáculo feminista. Um espetáculo que surge a partir da leitura do livro “Mulheres”, de minha necessidade de estender essas histórias de resistências e trazer a memória das opressões e violências – e também das lutas e afetos.
Um espetáculo que vem para contaminar o público com essas tantas e tantas que deram suas vidas pela liberdade e pela justiça, e que traz a voz de mulheres negras, índias, guerrilheiras, militantes, mães, avós, filhas, meninas. Através da voz de uma narradora limitada fisicamente mas que insiste em falar, que insiste em resistir e que, assim como Sherazade, conta uma história para manter-se viva. E que, assim como o próprio teatro, dribla a morte, dia a dia.
Desde 1978, quando botei o pé no palco, na rua, na estrada, me mantenho viva neste caminhar. E com esta peça - que compartilha distintas histórias de coragem, dando voz ao que foi silenciado - percorro o país com duas malas na bagagem, muitas mulheres na garganta, com primavera do olhar e “dizendo o que quero dizer”, como me disse o Paulo José, outro mestre com quem tive o privilégio de trabalhar.
Falando em mestres e caminhos, agradeço a passagem de todos em minha vida e para não me estender, em nome de todos e todas, cito dois dos grandes: Laerte Ortega, meu primeiro mestre ativista da década de 1970, e o mestre paulista Ademar Guerra. Ambos eternos em mim e no teatro que faço: um teatro comprometido com o mundo ao redor, com a excelência artística e com o público. Um teatro do meu tempo, mas que busca trazer também um pouco de todas e todos que vieram antes de mim, de nós.
Aprendi (e aprendo) no exercício diário que temos que ser protagonistas de nossa história. Num país onde as perdas crescem progressivamente e onde artista é visto como vagabundo por essa gente medíocre e assassina; e com a minha opção de permanecer em Curitiba, uma cidade que não vive de bilheteria e não te lança se você não o fizer. Fazer teatro, além de um modo de resistir, é uma celebração. E não me restrinjo somente a esta cidade, me refiro à vida também.
Celebrar, pois, o teatro que me deu tudo que tenho e o que sou:
UMA MULHER DE TEATRO, UMA ARTISTA-CIDADÃ QUE CONTOU E CONTA COM VÁRIOS PARCEIROS NESTA VIDA E LEVANTA BRINDES AOS ENCONTROS DO CAMINHO.
Uma mulher mãe de dois homens, Martin e Pedro – este último, também ator. Uma mulher atriz, que criou os filhos fazendo teatro de manhã, de tarde, de noite e sempre a postos para seguir em mais um dia, uma ideia, uma produção, um espetáculo, um caminho. Uma mulher que fala, que faz. Porque a vida é agora e teatro só se faz fazendo.
Celebremos, pois, o teatro, hoje e sempre... O teatro que, em tempos sem sol, lota as salas de espetáculos, com um público quente e atento. E falando em atento, estejamos sempre fortes e não tenhamos tempo de temer a morte. Sigamos em frente, insistindo na presença, nos encontros, ainda mais necessários nestes tempos sombrios. E deixo aqui a fala de Garcia Lorca de que “um povo que não ajuda e não fomenta seu teatro, se não está morto, está moribundo”. Estejamos vivos, pois!
Um brinde ao Teatro!
Um brinde à Vida!
Nena Inoue
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(E saio agora, pegar meus alimentos da semana, produzidos pelo MST... porque a gente precisa alimentar o que nos alimenta).
NENA INOUE É ARTISTA GESTORA, PRODUTORA, DIRETORA TEATRAL E ATRIZ QUE CONTABILIZA MAIS DE 60 ESPETÁCULOS PROFISSIONAIS