Uma cama e um colchão
Era noite de Natal.
E o Natal, independente das nossas crenças, é a noite que refletimos profundamente.
Fernanda, que na época era minha namorada, sorria mais do que o normal naquela noite.
Sentadas à mesa com a sua família, comíamos a ceia enquanto eu contava as minhas histórias do tempo de criança. Todos sorriam divertidamente. Estava feliz e me sentido acolhida pela família da Fê. Percebi que a intimidade decorria do tempo que eu frequentava a casa dos tios e avós da minha namorada, claro que sempre na qualidade de amiga.
Estávamos namorando há seis anos e, durante todo esse tempo não víamos a possibilidade de contar nada sobre o namoro para seus avós.
Em meio as risadas, senti uma leve tristeza, por achar que, por mais que eles gostassem de mim, eu nunca seria aceita completamente como uma integrante daquela família, e que o nosso relacionamento, por mais próspero que fosse, seria velado, rodeado de segredos e cuidados.
Não teríamos a chance de um casamento comum com a presença de quem ela mais admirava, os avós.
Diante disso, uma sensação de impotência e vazio me invadiu naquele momento, pelo amor que eu sentia pela Fernanda, achei que não seria justo privá-la de coisas simples como um almoço ou uma ceia em família com um parceiro que fosse completamente aceito, sem segredos, com toda liberdade em ter um abraço simples, trocar gestos carinhosos e amar.
Naquela mesma noite nos hospedamos na casa dos pais da Fê.
Assim que chegamos, dei boa noite e queria o quanto antes me isolar e não demonstrar o quanto estava abatida, devido aos pensamentos que me invadiam.
Minha namorada disse que havia esquecido de me dar um presente. Ela foi até seu quarto e voltou com um embrulho. Sorri quando peguei o pacote, porque sabia que era o livro que eu tanto queria. Ao desembrulhar o pacote, fingindo surpresa, percebi que o livro estava estranhamente leve... assim que abri a capa, havia um grande buraco no meio do livro com duas alianças!
Fechei o livro e olhei para a Fernanda, assustada, e para o seus pais e irmã que me observavam com curiosidade. Sem acreditar abri novamente o livro e vi que era um pedido de casamento.
A Fernanda então olhou nos meus olhos e me perguntou: você quer se casar comigo?
Senti os meus músculos da boca paralisados, sorri nervosamente, sua mãe sentou ao meu lado, me abraçando e dizendo que estava tudo bem...eu precisaria apenas responder que sim ou que não. O pai e a irmã da Fê me olharam sorridentes, e mesmo engasgada disse que SIM.
Todos estavam felizes e eu só conseguia sentir medo, medo de que a sociedade não fosse aceitar o nosso casamento, de fazê-la infeliz e colocá-la em perigo. Medo que ela percebesse que a vida dela seria incompleta por não poder desfrutar de coisas simples como andar de mãos dadas, ficar abraçadas no sofá, de ser apresentada formalmente como sua namorada para seus avós, e que ninguém ou nenhum lugar aceitasse nos casar... e enfim ela perceberia o erro que cometeu ao me pedir em casamento.
Levantei-me do sofá com dificuldades forçando um sorriso de felicidade e fui para o “nosso” quarto, olhei para sua cama de solteira e o meu colchão ao lado da cama dela. Senti um arrepio na espinha... será que seria para sempre uma cama e um colchão?
Aproveitei que a Fernanda estava tomando banho e me deitei no colchão ao lado da cama. Desabei. Porque sabia que sempre teríamos momentos que não desfrutaríamos de uma cama de casal, e mais uma vez senti medo de sermos uma cama e um colchão diante dos nossos familiares e sociedade.
Deitei e fechei os olhos levada por grande exaustão, no mesmo segundo Fernanda entrou no quarto. Continuei com olhos fechados e ela disse: “já decidi! amanha falaremos com os meus avós”.
Permaneci com os olhos fechados. Senti um forte enjoo em saber que isso poderia desestruturar sua família. Abri os olhos, dei um beijo nela e disse que a amava.
Antes de dormir tomei uma decisão movida por todo amor que eu sentia por ela. Para protege-la não teria outra saída, não haveria mais casamento e teria que acabar com tudo...o dia seguinte seria decisivo.
Em meio ao turbilhão de pensamentos, exausta, enfim adormeci com o rosto úmido e o sabor salgado da vida….
A continuidade desta história será contada na próxima semana pela minha esposa..... ops, pela Fernanda.
Um grande abraço!
Jaqueline Faro
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