Coletivo Indra

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Vazios Paternos

Há um ano, neste mesmo espaço de diálogo e diversidade, escrevi três textos sobre paternidade. A Ressignificação de ser Pai(junho), O Novo Homem Paterno(julho) e Ausências Invisíveis(agosto). Um mergulho de autoconhecimento pós leituras e vivências pessoais que me fez aprender, ressignificar e sentir a importância de continuar falando sobre o assunto. A água e o rio não são mais os mesmos, ainda que a sociedade insista compreender a essência do ser pai por uma nascente preconceituosa e machista. 

No próximo domingo é “Dia dos Pais”. Mais um domingo, mais uma data, mais um artifício capitalista para unir sentimento e consumo. Sabemos que o poder simbólico do “Dia das Mães” é diferente,  inalcançável. A figura materna habita um lugar sagrado de reverência. Sua incondicionalidade amorosa sobrepõe a figura masculina. Afinal, mãe é mãe. Crescemos ouvindo essa verdade e com a sabedoria do tempo entendemos o porque. Em contrapartida a esse mítico amor, é dado ao homem o poder de escolha. Ele pode querer ou não ser pai sem ser cobrado por isso, enquanto a elas a maternidade se estabelece como função obrigatória da natureza feminina. 

Essa desigualdade de gênero - alicerçada historicamente nos costumes de uma sociedade sexista - entende e exerce a paternidade sob um farol de lacunas e estereótipos que isenta o homem de uma atuação participativa na educação dos filhos, sufoca as inúmeras expressões de afeto possíveis e naturaliza o abandono. A centralização das questões educacionais na figura materna causa um desequilíbrio familiar normalizado como padrão e que dá ao pai uma coadjuvância justificada por seu papel de provedor do lar. 

Certa feita numa conversa com um colega de trabalho falávamos sobre o estar preparado para desempenhar a função de pai. Sincero, eu disse que ainda não me sentia. Diferente dele, acho que não é apenas o querer e o amor que nos fazem aptos a ter um filho, uma filha. A responsabilidade vai além da concepção idílica do sentimento. É preciso estrutura social, financeira, psicológica. Não que a paternidade se condicione a ter dinheiro. Mas ser responsável pela criação, formação e direcionamento de um indivíduo requer o mínimo de estabilidade e consciência. Colocar nossa vontade a frente disso é ser egoísta da mesma forma que alguns pais e algumas mães são ao acharem que criam os filhos pra si. 

Eu posso escolher o momento que considero ideal pra me tornar pai, mas exercer ativamente esse papel quando ele foge do planejamento jamais deveria ser uma escolha. Um filho não se faz só e se cria junto. Um pai participativo, atuante, dedicado não deve ser visto como uma exceção a regra, como um desvio positivo de comportamento.    

Semana passada recebi num grupo do famigerado WhatsApp - reflexo mais nocivo de tabus e polêmicas do nosso cotidiano moderno - do qual (ainda) faço parte, uma imagem que questionava em tom jocoso e debochado a presença do Thammy Miranda na campanha do Dia dos Pais promovida pela Natura. O meme “bem humorado” tinha como argumento a falta do órgão reprodutor masculino para deslegitimar a presença dele na campanha e, sobretudo, do seu papel paterno.     

Infelizmente, as entranhas do patriarcado fazem com que a paternidade do Thammy seja questionada sob o juízo de um conservadorismo religioso. E por essa afetação seletiva Belchior (continuo admirá-lo como artista genial que é), Edmundo, Pelé e outros 5 milhões de pais (que conforme dados recentes do Conselho Nacional de Justiça se recusaram a registrar e serem atuantes na vida dos filhos) são considerados mais pais do que ele. Ser pai é dar carinho, presença, amor. E isso independe de aspectos biológicos. 

Em meio as leituras citadas no início do texto está “Pai, Pai”, pancada inesquecível do João Silvério Trevisan que me fez repensar sobre o filho que sou, o pai que eu desejo um dia ser, o pai que eu tenho e a relação que tenho com ele e que se constrói junto. Dei o livro de presente a um tio (por parte de pai) que compartilha desse mesmo vazio que volta e meia nos preenche, nos faz divagar ações, entender silêncios. Espero um dia ter a coragem de dar esse mesmo livro ao meu pai, pra que ele possa arar a terra movediça desse solo machucado cujas raízes se entrelaçam por gerações de homens, pais, filhos e netos.         

Um feliz dia dos pais para quem é pai todos os dias sem distinção.    

Felipe Ferreira

Instagram @ostrafelipe