Coletivo Indra

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Visões pervertidas e felicidades

Há uma parábola curiosa sobre os cinco cegos definindo um elefante. Um toca a presa e diz ser isto o paquiderme. Outro toca a orelha e declara o animal como um leque, os demais cegos tocam o tronco, a perna e a cauda e suas definições improváveis: um grande fardo, um tronco e uma corda. Cada um certeiro e irredutível em sua percepção. Disputam verdades.

A proposta de Buda é ser um sexto cego e não concordar com nenhum deles por não tocar o animal inteiro e se agarrar em seus pontos de vista. Talvez nos seja óbvio um elefante, mas alguém que nunca tenha visto concebe a forma a sua percepção. Buda faz uma alusão dos cegos aos seres experimentando a realidade, concebendo-a parcialmente como partes do animal.

O que chamamos de Estado de Buda é estar esclarecido, elucidado, iluminado sobre a realidade do ponto de vista da Realidade Última, não do olhar humano convencional. É a abertura dos olhos da mente, o trocar de lentes das coloridas, o olhar limitado passa a compreender a origem e a existência às inúmeras confluências de causas e condições propicias. 

COMO VOCÊ OBSERVA SUA VIDA? SERÁ QUE AGIMOS COMO OS CEGOS TOCANDO APENAS PARTES DESCONECTAS DA VIDA, TECENDO NARRATIVAS SOBRE FELICIDADES E INFELICIDADES, VALORES E JUÍZOS?

A felicidade é resulta em sofrimento, ensina o Iluminado, ela traz em seu pacote de sensações o fim pela separação ou término por sua natureza efêmera, como todos os fenômenos. Porém, o que nos leva a dor não é a felicidade em si, mas sua dependência, melhor dizendo o apego às sensações proporcionadas. Poxa, como budistas são insensíveis! Qual a graça da felicidade? É vivê-la plenamente e consciente que encerra cedendo espaço a outras novas felicidades. Sabe os sorrisos gostosos dos monges tibetanos? Sorriem por não sofrerem da dependência daquilo que se finda. A prática da mandala de areia nos templos é o melhor exemplo disso, assim terminada é apagada com um sopro. Queremos ser sorridentes como eles, mas esquecemos de indagar porque são.

O ideal budista propõe um tipo de felicidade sutil, nem boa nem ruim, mas neutro. Como li em um post outro dia: 100 expectativas, 100 frustrações, sem expectativas, sem frustrações (vou lembrar disso na próxima possibilidade de relacionamento). Talvez soe apática esta atitude, mas se sofremos e queremos parar, não seria mais lógico mudar o pensamento e olhar por outro prisma?

Sim, mas a vida não é racional, nem viemos com manual de instruções. E são longos anos de marteladas mentais buscando a segurança da transitoriedade, afinal, experimentamos a realidade por meio da condição humana e não prestamos mais a atenção sobre a nossa precariedade e tragédia.

Diz o Grande Sutra da Vida Imensurável:

“O homem vive arrastado pelas paixões, nasce só, vive só, morre só. Esta vida é insubstituível e uma chance única”. 

Para o budismo, os meios são mais importantes que os fins, afinal são eles quem definem os fins, certo?! E atingir esses fins depende de um esforço constante em corrigir a cegueira que nos traz sensações pervertidas, corruptas, desvirtuadas. A ignorância das ações cegas repercutem em sofrimentos a si e ao outro, chegando a morte, pelos impulsos da raiva, da ignorância e da ganância, os chamados Três Venenos Mentais. 

PORQUE ODIAMOS? O QUE NOS LEVA A VIOLENTAR E MATAR GRATUITAMENTE UM SER SEMELHANTE A NÓS? 

Mentes cegas olhando apenas partes do elefante. Livrar-se das confusões mentais são os meios que resultam em paz e serenidade, dos sorrisos tibetanos.


"Os homens são capazes de cometer quaisquer ações desde que impulsionados pelo Karma adequado."

Shinran Shonin.


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Rev. Jean Tetsuji釋哲慈

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