COVID-19: Vacina genética?
Atualmente estamos vivendo uma espécie de nova polarização devido a possibilidade de uso da vacina. Aparentemente “todos” apoiam a vacina, mas com restrições ao seu local de desenvolvimento/produção. Não será vacina “comunista”, jamais. De todas as medidas de prevenção existentes, a vacina é a ferramenta com a maior efetividade, o que faz dela a medida mais frequentemente empregada no controle das doenças, imunopreveníveis, é claro.
A vacina é a forma de imunização que definimos na imunologia como artificial e ativa. Artificial porque é produzida em laboratório; e ativa porque induz/estimula a resposta imune. É importante ressaltar que esta estimulação depende do tipo de vacina. Até pouco tempo, tínhamos disponíveis três tipos diferentes de vacina: as vacinas de organismo morto, de organismo vivo atenuado e de subunidades. Mesmo que todos os tipos induzam uma resposta, alguns induzem respostas melhores e mais duradouras. O certo é que é necessário analisar as vantagens e desvantagens de cada uma e, assim, escolher uma que seja mais adequada para a situação vivenciada. Falarei um pouquinho de cada um desses tipos de vacinas para que vocês entendam como essa ferramenta funciona no indivíduo.
As vacinas de organismos vivos e atenuados são aquelas, dentre as três supracitadas, que melhor induz uma resposta imune completa, incluindo a indução de uma reposta imune celular e humoral.
Nestas vacinas tem-se a presença do antígeno vivo, porém sem a capacidade de infectar as células do hospedeiro. Grosso modo, os pesquisadores induzem o crescimento do antígeno em cultura de células especificas para este agente (no caso, células humanas) e, gradativamente, vão mudando a composição celular desta cultura. Eles poderiam, por exemplo, ir utilizando células de macacos (primatas não humanos) nas culturas. Isso significa que, devagar, o agente vai se adaptando às novas células (de macaco) e, em contrapartida, perdendo o potencial infectivo às células primárias (de humano). Por estar vivo, o agente estimula mais o nosso sistema imune, o que permite que a resposta a ele seja mais robusta. Ainda relacionado a este ponto, uma outra vantagem é que normalmente a vacina é dose única. Não há a necessidade de um esquema múltiplo, como temos para as vacinas de organismos mortos ou de subunidades. Mas, como nem tudo são flores, temos uma desvantagem considerável: neste tipo de vacina há risco (mesmo que esporádico) de reversão de patogenicidade. Do mesmo jeito que o agente perde a capacidade de infectar celular humanas, ele pode reaprender a infectá-las. E é nesse momento que a vacina causa a doença. Falando assim, parece um horror. Mas quero enfatizar que este efeito é quase que remoto. Não é nulo, mas é quase. Então, se pensarmos bem, organismos que são muito mutagênicos, esse tipo de vacina não é tão recomendada. Da mesma forma, para agentes que são extremamente virulentos, ou seja, que causam doença grave, também não é recomendada. Isso porque, caso ocorra a reversão da patogenicidade, esta pode ser extremamente indesejável. Um exemplo desta vacina é a vacina contra febre amarela produzida por Manguinhos – Fiocruz, utilizada pela rede pública, e a produzida pela Sanofi Pasteur, utilizada pelos serviços privados de vacinação e eventualmente pela rede pública.
Já as vacinas de organismos mortos temos uma estimulação mais fraca. Até dá para entender que o vivo estimule mais do que o morto né? Então, por estimular menos, muitas vezes o esquema inclui múltiplas dosagens e, normalmente, são utilizados adjuvantes, como o hidróxido de alumínio, que serve para potencializar a resposta, estimular o processo de migração celular, tornar o antígeno em um melhor imunógeno*. Vale ressaltar que quanto mais estimulante, maior seria o número de efeitos adversos, ok? Um outro ponto interessante é que esse tipo de vacina gera uma melhor resposta humoral, mas não gera uma resposta celular tão eficaz. E para finalizarmos, a vantagem é a não reversão da patogenicidade. Aqui antígeno morto não ressuscita. Permanece morto. E essa é a grande vantagem. Um exemplo desta vacina é a CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Butantan.
A última, mas não menos importante, é a vacina de subunidades. A diferença desta para a vacina de organismo morto, é que ao invés de utilizarmos todo o agente, pegamos uma parte dele, parte esta responsável pela estimulação da resposta. Então se pensarmos nas vacinas com organismo morto ou vacinas de subunidade, estas compartilham as mesmas desvantagens e praticamente todas as vantagens, com exceção de uma: na vacina de subunidades temos a informação sobre a sua composição.
Então, esses três tipos de vacinas são os mais frequentes, tanto para a proteção individual como para a coletiva. Mas, atualmente, o que está em pauta são as vacinas com uso de material genético, que as pessoas apelidaram carinhosamente de “vacina genética”. Esse termo vacina “genética” pode fortalecer as fakenews de que esta é uma vacina capaz de provocar alterações genéticas em quem tomar e blá blá blá... Trago esta pauta porque a vacina para a COVID-19, desenvolvida por ambos os laboratórios, Pfizer e Moderna, é uma vacina de mRNA (RNA mensageiro). Primeiro, é fundamental falar um pouco sobre o que são alguns termos utilizados na multiplicação celular. A nossa célula - formada por membrana, citoplasma e núcleo, em que neste último encontra-se o material genético, no caso o DNA - para se multiplicar, inicialmente realiza a replicação do seu DNA. Após isso, ela utiliza o DNA para realizar um processo que chamamos de transcrição, que consiste na produção do mRNA, a partir de uma fita de DNA. Esse mRNA tem a função de levar uma mensagem codificada para informar quais são os aminoácidos necessários para a produção das proteínas celulares, que são essenciais. Um vírus, quando infecta uma célula, usa essa maquinaria para se multiplicar. Partindo do pressuposto de que anticorpos são proteínas, as vacinas de mRNA têm o intuito de já indicar à célula, antes mesmo da infecção, quais são as proteínas (anticorpos) necessárias para combater o agente. É importante que saibamos que este tipo de vacina não causa nenhuma alteração genética, como vem sendo propagado por aí. Ademais, precisamos lembrar que, para quaisquer tipos vacinais que foram relatados aqui e que são utilizados com frequência, há a introdução do agente (contendo o seu material genético), ou de parte dele, para indução da resposta.
Como para todos os tipos vacinais trouxemos algumas desvantagens, no caso da vacina de mRNA, pelo tipo de material utilizado na composição desta vacina, há a necessidade de mantê-la em temperatura de -70oC. Olhar para este fato é necessário, uma vez que devemos pensar na logística de distribuição e acesso da nossa população, como um todo, incluindo aquela que vive em situação de vulnerabilidade social que obviamente tem limitações para o acesso a ferramenta. Eu vi ontem no jornal Nacional, que o presidente da Pfizer no Brasil informou que se o Brasil fechar o contrato com o laboratório, eles conseguirão realizar a entrega do material acondicionado em gelo seco, mantendo a temperatura de -70oC por até 30 dias.
Bom, deixo para vocês após a leitura, a escolha, com maior grau de conhecimento, a adesão (ou não) à vacina contra a COVID-19.
Um abraço a todos,
Rafaella Albuquerque
Instagram @rafaas28
*imunógeno: antígeno que não só se liga aos componentes do sistema imune, mas também induz a resposta imune propriamente dita.