Dilema: desenvolvimento sustentável ou desmatamento?
O desmatamento da Amazônia tem sido um assunto debatido. Em Julho de 2019, o Presidente Jair Bolsonaro demonstrou insatisfação com a divulgação dos dados de desmatamento apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Na ocasião, o presidente questionou os dados que apontavam o aumento do desmatamento na Amazônia. O diretor do INPE, Ricardo Galvão, afirmou reiteradamente que os dados estavam corretos e que no mês de Junho de 2019, enfatizando o aumento de cerca de 60% de desmatamento na região amazônica.
O desentendimento entre a presidência da República e o INPE ficou pública e bastante comentada na imprensa. O presidente Bolsonaro já tinha reclamado durante encontro do G20 (Grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais União Européia) na cidade de Osaka, Japão, em 28 de Junho desse ano de uma “psicose ambientalista que existe para conosco”, isto é, um excesso de preocupação com as questões ambientais brasileiras.
Durante a gestão do presidente Lula, especialmente entre 2007 e 2008, a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva entrou em rota de colisão com a Ministra da Casa Civil da época, Dilma Rousseff. Marina Silva queria mais rigor nos processos de licenças ambientais e estava empenhada em regulamentar os transgênicos. Em 13 de Maio de 2008, Marina Silva deixou o Ministério do Meio Ambiente convencida de que tinha sido desprestigiada durante lançamento do Programa Amazônia Sustentável (PAS) cinco dias antes, porque as metas estabelecidas pela ministra tinham sido colocadas em segundo plano quando, na época, a coordenação do PAS ficou com a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo. Portanto, não é de hoje, em Governos de Esquerda ou de Direita, a existência de tensões e divergências internas quando o assunto é a agenda ambiental.
A partir do perspectivismo ameríndio formulado pela antropóloga branca brasileira Tânia Stolze Lima, algumas considerações críticas têm sido feitas ao modelo desenvolvimentista que ganhou relevo na sociedade brasileira. O também antropólogo branco brasileiro Eduardo Viveiros de Castro fez uma análise em que afirmou que tanto a Direita como a Esquerda não entendem povos indígenas e quilombolas, dentre outros que não definem a vida como produção. A tese de que: “o trabalho é a essência da condição humana” é refutada com veemência por Viveiros de Castro.
A centralidade do trabalho está presente tanto em narrativas religiosas quanto nas político-econômicas dominantes no mundo ocidental. No texto bíblico, Adão é condenado a viver do suor do seu rosto – trabalho. Em linhas gerais, a filosofia de Marx define o ser humano como agente que transforma a natureza através do trabalho. Num certo ponto de vista, as teorias capitalistas apostam na exploração do trabalho como fonte de manutenção do capital. Pois bem, os filósofos Daniel Munduruku e Antônio Bispo dos Santos contribuem com perspectivas que propõem visões de mundo onde o trabalho não está no centro da vida. Os dois pensadores compreendem que viver é se movimentar, estar em atividade; mas, isso não pode ser confundido com trabalho.
Dentre as atividades humanas está o trabalho. O filósofo quilombola Bispo dos Santos expõe uma visão de mundo afro-pindorâmica em que a natureza não precisa ser controlada e explorada. Daniel Munduruku usa toda sua formação filosófica na cultura indígena munduruku para criticar com firmeza o desenvolvimento sustentável. Munduruku aponta as limitações terríveis dessa configuração em que a sustentabilidade ambiental seria garantida por uma suposta exploração desenvolvimentista responsável. Pois bem, os debates ambientais que colocamos aqui no início do artigo não são um problema deste ou daquele Governo; mas, uma questão de princípios.
OS PROBLEMAS E DILEMAS QUE COLOCAM DESENVOLVIMENTO EM COLISÃO COM A PRESERVAÇÃO DA NATUREZA ESTÃO FUNDAMENTADOS NA SUPERVALORIZAÇÃO DO TRABALHO, DO DINHEIRO EM DETRIMENTO DO MEIO AMBIENTE E DA VIDA.
Antônio Bispo dos Santos e Daniel Munduruku descrevem visões de mundo biocêntricas. Ou seja, a vida é o que existe de mais valioso e importante. O que é razão suficiente para não desprezarmos a natureza em favor dos lucros. O dinheiro não é mais importante do que a conexão necessária entre ser humano e meio ambiente. Não se trata de um discurso romântico idealista ou de ações estereotipadas que acreditam que abraçar uma árvore no meio da cidade vai ser um ato “salvador” e revolucionário. A questão é de outra ordem: a preservação do meio ambiente é a garantia de algum futuro. A morte da natureza é o fim da espécie. Não podemos comer minério, beber dinheiro: esses objetos só têm valor se puderem assegurar a vida.
VIVER NÃO TEM PREÇO. A PRESERVAÇÃO E CONVIVÊNCIA RESPONSÁVEL COM O MEIO AMBIENTE É A ÚNICA FORMA DE ESPÉCIES ANIMAIS GARANTIREM A GERAÇÃO FUTURA DE SUA DESCENDÊNCIA.
Os dados do INPE informam que transformar parte da floresta amazônica em um ativo rentável é mais importante do que escutar o que a natureza tem a nos ensinar. Por essa razão, é urgente que povos indígenas e quilombolas, dentre outros povos tradicionais sejam protagonistas quando o assunto é meio ambiente. A bióloga e professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Ivana Cristina Lovo num exercício de das tecnologias tradicionais de convívio entre humano, outros animais e meio ambiente traz uma grande contribuição. De acordo com Lovo, se nós buscarmos o desenvolvimento sustentável: a crise ambiental será nosso destino certo. Nós precisamos de envolvimento ambiental para o decrescimento. Não é hora de crescer, de apostar no desenvolvimentismo. É importante dizer, decrescimento não é subdesenvolvimento, falta de regras e licenças ambientais, fim das garantias e contratos que responsabilizem todas as partes. Não! O decrescimento não é uma campanha contra o desenvolvimento científico e tecnológico.
O que é o decrescimento? O termo criado pelo filósofo André Gorz na década de 1970 e sistematizado pelos estudos de bioeconomia do romeno Nicholas Georgescu-Roegen tem cinco aspectos característicos:
1º) sobriedade para viver;
2º) defesa do ócio e diminuição da obsessão pelo trabalho;
3º) Dar preferência à interação social do que ao consumo ilimitado;
4º) Organizar a vida a partir das necessidades locais; 5º) Redistribuir os recursos para atender todas as pessoas.
Não podemos mais discutir a questão ambiental em termos superficiais, desmatar e crescer ou deixar de desmatar e não produzir. Esse é um falso dilema. Entre o desenvolvimento sustentável e o desmatamento, as duas opções são ruins. A única encruzilhada é se queremos que a nossa espécie habite o planeta num futuro próximo, ou, vamos ser egoístas e cometermos humanocídio (suicídio da espécie humana através da destruição da natureza). As tecnologias quilombolas e indígenas têm uma boa alternativa, precisamos ter a humildade de decrescer e nos envolvermos com a natureza. Do contrário, nossa espécie aumentará o risco de desaparecer mais rápido do que imaginávamos.
Renato Noguera
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Indico o livro de Antonio Bispo dos Santos
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