Meu filho Murilo
Dona Maria da Conceição
Justiça seria encontrar todos os culpados por aquelas mortes e puni-los, mas em toda a minha vida, nunca vi justiça andar de muletas como aqui, não senhor. Para nós, restam as desculpas esfarrapadas, o fundo da panela queimada de arroz, em que a gente vai raspando com a colher.
- Não tem problema – eles dizem – morrer de fome essa gente não morre, aguentam ficar com o estômago vazio durante dias.
Caminhar aqui no bairro um tal de João nunca caminhou, nem saber que os Joãos daqui carregam o mundo nas costas: não nasceram com a bunda virada para a lua, nem foram mimados. Cada homem desses sabe a dor da vida, o valor do pão amanhecido, descendo na goela. João daqui não tem segurança não, senhor. João daqui não é Jão, entendeu, seu doutor?
Meu filho tava lá no meio sim senhor. Eu disse pra ele não ir, que essas festas de viela um dia levavam ele embora. Precisava suplicar? Me jogar nos pés dele? Trancar a casa? Amarrar a à força, ao pé da cama? O Murilo trabalhava e me ajudava, não é porque ele era preto que eles tinham o direito de ir empurrando, dando tiro, chutando... Em filho meu ninguém nunca tocou a mão!
Aqui todo mundo via o esforço dele, do meu Murilo: acordava cedo e ia trabalhar, às vezes de domingo a domingo. Esse dia ele estava feliz. Havia marcado com alguns amigos de ir para esse tal de baile, no meio da rua. Porque aqui é assim mesmo: diversão é só quando dá. Eu, dona Maria da Conceição, que não ia segurar o meu filho.
Eu lhe disse apenas:
- Murilo! Você não viu na televisão, eles estão matando a gente meu filho, por favor, fica em casa.
Então... Eles dizem que é excesso de sentimento, que aqui se chora por tudo. Duvido o senhor trabalhar o dia inteiro carregando bloco e ainda ter tempo para a família. Sair daqui de madrugada, voltar somente à noite e manter esse sorriso no rosto.
A polícia quer lavar o nosso bairro com sangue, por quê? Pobre por acaso não tem direito de sorrir sem ter que lutar por isso?
Encurralar a meninada na viela, dar tiro de bala de borracha, bater com madeira e ainda rir, isso não se faz! Justiça mesmo era deixar esses cretinos sem farda, sem colete, sem nada, à míngua pelas ruas da favela e ver no que ia dar.
Quem irá comprar as flores e ficar ouvindo à noite o menino ou a menina, dizendo que tinha o sonho de estudar para chegar a ser alguém, na vida?
Qual de vocês, senhores, irá se responsabilizar por cada corpo desses pisoteados na esquina e colocar os culpados dentro da prisão?
Se eu protestar eles me batem, cospem na minha cara, dizem que sou favelada e que o meu dinheiro é pouco, por isso não presta pra nada.
Wesley Barbosa
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