“Anagramas Femininos”

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O feminino sempre foi meu coração e bússola. Na infância, na escola, na família, na arte. Em todos os caminhos percorridos, todos os lugares ocupados, todas as descobertas vivenciadas, lá estavam elas como um eixo de inspiração e sabedoria.

Na minha produção literária não seria diferente. Era só questão de tempo e maturidade para minha primeira protagonista feminina vir ao meu encontro. Alice está entre nós! Onipresente no imaginário coletivo de muitos, agora ela habita minha rotina e alimenta minhas emoções numa realidade atemporal de maravilhas terrenas.

Mulheres são anagramas infinitos num mesmo baralho fonético, mas cuja identidade é esculpida conforme os questionamentos, a singularidade, a revolução de cada uma.

Eu nunca serei capaz de dizer o que é ser” mulher, e não me interessam as definições que mais oprimem que libertam. O que me move e me faz admirá-las é justamente essa incapacidade de sê-las e a única possibilidade, através da arte, de recriá-las e reconhecê-las à minha imagem e diferença, com máximo respeito e devoção. 

A partir de hoje encontraremos aqui mulheres negras que conheço, acompanho, admiro, me inspiram e são referências no processo de escrita do meu novo livro (em breve mais detalhes) que me levará à uma viagem ao outro lado do continente para recontar o que foi apátrida da nossa própria história. Na estreia, a jornalista, fotógrafa, produtora cultural e colaboradora da “Revista Pico Preto” .(@revistapicopreto):

Liz Santana

ziL anatnaS

 1- Como é sua relação com o tempo? Quais sentimentos e reflexões a fenda entre o passado e o presente te provoca? Seu estado bígamo de permanência e mudança, junto à maturidade que ele traz consigo, te inspira e transforma numa mulher mais consciente do seu papel, do seu poder e do que seu corpo representa como expressão política, social e cultural?

Tenho uma relação um pouco conflituosa com o tempo, por causa da ansiedade. rs. Às vezes trânsito entre memórias do passado, presente e futuro de uma forma muito rápida, mas busco estar no aqui e viver o hoje. Acredito que minhas vivências todas do passado refletem nas minhas atitudes, posturas e comportamentos hoje. De certa forma, o passado provoca muitas reflexões em todos os setores da minha vida e possibilidades de mudança, de me conhecer melhor, de melhorar como pessoa e de evitar repetição de erros.

 2- Quais suas referências femininas, na ficção e na vida real, mais simbólicas e atemporais? A Liz de agora consegue olhar para a Liz de anos atrás, criança e adolescente, e ver um reconhecimento nessa digressão? O que uma diria pra outra na possibilidade de um reencontro? 

Minhas referências são as mulheres negras que vieram antes de mim e que só agora estão sendo realmente conhecidas ou ganhando voz, mesmo que de forma tímida e para uma parcela das pessoas. A exemplo, tem algumas teóricas como Djamila Ribeiro, Carla Akotirene, Ângela Davis, Bell Hooks, entre outras. A Liz da adolescência é completamente diferente da Liz de hoje. Em determinados assuntos, parece que se abriu uma cortina para coisas que não via antes, ou que, por falta de conhecimento, não enxergava. E essas mudanças foram frutos de embates, conversas, conflitos e de muito estudo.

 3- Você busca identificação naquilo que consome? O que você lê, o que você ouve, o que você escreve, o que você fotografa, o que você assiste, toda essa teia artística, que nos engole pela intensidade de produção, mas que em alguns casos peca pela efemeridade mercadológica, parte de um exercício de reconhecimento subjetivo, que busca dialogar com a demanda coletiva da representatividade de uma história ora não contada, ora mal contada? 

Sim. Antigamente eu consumia muito conteúdo aleatório e internalizei algumas coisas como únicas. Hoje eu consigo ver que minhas escolhas são mais conscientes, tanto no que vejo, no que leio e estudo. Me sinto mais atenta a tudo o que consumo e sem dúvidas isso se reflete no meu trabalho, tanto com fotografia, quanto com redação.

 4- Entender nossa ancestralidade é peça-chave no processo histórico de afirmação identitária e pertencimento social? Para saber quem somos como indivíduos e como nossas ações interferem no processo de (re)construção social, é importante ouvir e aprender com aqueles que abriram os caminhos para que nós pudéssemos andar e chegar até aqui?

Sem dúvidas. Minha relação com meu cabelo através da transição capilar foi o início de tudo para entender meu papel na sociedade. Acredito que ainda tenha muitas coisas para desconstruir sobre mim como indivíduo no coletivo, mulher negra etc. Mas também entendo que tudo faz parte de um processo e que não nascemos prontos, vamos nos munindo de informação com o tempo e percebendo nosso papel no mundo.

Felipe Ferreira entrevista Liz Santana

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