Ancine em três atos

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Muitos de vocês podem ter visto algumas notícias sobre a paralisação do setor audiovisual brasileiro. A situação tá um toma lá da cá sem fim então pensei em tentar esclarecer alguns pontos, até para mim mesma, sobre o que está acontecendo.

Para vocês terem noção, tive que desenhar uma linha do tempo no papel para por uma ordem nos pensamentos. Isso só mostra a bagunça que se alastrou por aí.

ANTES ACHO BOM DIZER (OU RELEMBRAR) QUE A ANCINE É A AGÊNCIA RESPONSÁVEL PELA REGULAÇÃO, FOMENTO E FISCALIZAÇÃO DO SETOR AUDIOVISUAL DO PAÍS.

Ela é a protagonista desse rolê todo.

E recentemente a pesquisa “Contribuição econômica do setor audiovisual brasileiro” divulgada pela Motion Picture Association na América Latina (MPA-AL) mostra que a indústria cinematográfica contribui com mais de R$ 19 bilhões por ano na economia do país, com um faturamento bruto anual de R$ 42,8 bilhões. Ainda de acordo com o diretor da associação, o setor já gera mais empregos do que o turismo no Brasil.

Isso é uma ótima notícia! Ainda falta muita coisa? Com certeza, mas já um começo.

Então aí veio o gatilho no dia 29/03, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) elaborou um acordão, no qual a agência estaria impedida de celebrar novos contratos que destinassem dinheiro público para o setor, através do fundo e repasses diretos, por conta de suspeitas de irregularidades nas prestações de contas das produções.

A notícia abalou bastante a indústria gerando diversas dúvidas. Então no dia 05/04 o relator do acordão, o ministro André Luís de Carvalho disse publicamente que o documento não determinou a suspensão, só notificou a Ancine para que mude o sistema de prestação de contas.

No entendimento do tribunal, isso na verdade, diz que a agência só poderia firmar novos contratos se for capaz de analisar a contabilidade deles de forma detalhada.

Beleza, todo mundo respirou um pouco mais aliviado, mas ainda se preocuparam com os editais e produções futuras ainda em análise.

A coisa toda tomou maiores proporções no dia 18/04, quando o diretor-presidente da Ancine, Christian de Castro, mandou suspender o repasse de verbas para a produção de filmes e séries, sob a justificativa de “dar segurança jurídica aos servidores da agência”.

Isso significa que as atividades da agência seriam paralisadas, inclusive o fomento do audiovisual e as atuais produções sofreriam atrasos.

O problema é que no mesmo dia, ele havia anunciado que entraria com embargos de declaração contra o acórdão. E para completar, também no dia 18, o Brasil conseguiu classificar quatro longas para o Festival de Cannes.

Conhecido como uma vitrine mundial de produções, o festival sempre destaca as obras brasileiras e já premiou 13 vezes o país.

Viu só o turning point ou até mesmo o clímax (se depender de como a história continua)?

Calma, que as coisas ainda não acabaram! Em resposta a tudo isso, a diretora-presidente da Spcine (agência de cinema e audiovisual do município de São Paulo), Laís Bodanzky publicou uma carta aberta de repúdio ao que considera o desmonte da política audiovisual brasileira.

Nela, a cineasta ressalta que as decisões:

“Põem em risco um setor responsável por alavancar anualmente mais de R$ 20 bilhões no PIB do país e empregar mais de 330 mil trabalhadores”.

Alguns dias depois, o TCU rejeitou o recurso da Ancine e deixou claro que a decisão de congelar a liberação de recursos foi inteiramente da agência e, na verdade, até pediu uma explicação sobre isso.

Ou seja, o embargo continua e o filme também...

O acontecimento mais recente foi no dia 03/05, numa reunião entre entidades da indústria e a cúpula da Ancine, na qual a conversa foi gravada e alguns trechos caíram nas mãos da imprensa mostrando um bate boca entre o produtor Luiz Carlos Barreto e Christian de Castro. Mais tarde, a Brasil Audiovisual Independente (BRAVI) emitiu uma nota condenando o uso indevido da gravação.

“MAS GIULIA, O QUE VOCÊ ACHA DISSO?”

ENTÃO, PARA MIM ESTÁ CLARO QUE A SITUAÇÃO É PREOCUPANTE EM DIVERSAS VERTENTES.

Primeiro: esse leva e trás só reflete uma desorganização do setor, que para mim, é obvio que está rachado. O diretor-presidente não agrada os membros da indústria por conta de sua falta de transparência. Para piorar ocorre desde dezembro, em segredo de justiça, um inquérito contra ele e mais quatro membros da agência.

Segundo: por lei os canais de TV paga devem ter pelo menos três horas e meia por semana de seu horário nobre a conteúdos nacionais. Sem os repasses das verbas para novas produções, não tem o que ser transmitido. Sem contar que ainda tem as incertezas das obras já em andamento.

Vale destacar também, que segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica da USP, o cinema responda por 0,44% do PIB nacional. O mesmo estudo estima que até 70% dos filmes brasileiros exibidos entre 1995 e 2016 foram contemplados com alguma forma de incentivo público.

Não somos Hollywood e infelizmente a máquina cinematográfica e televisiva aqui não roda sozinha. Então, sem colaboração pública não tem audiovisual, sem audiovisual não tem contribuição na economia.

Por outro lado, achei justíssima a notificação do TCU, se tem irregularidades é preciso investigação. E na verdade, seria até interessante aproveitarem o momento para buscarem um modelo mais apropriado de fomento, já que esse apresenta problemas.

Mas uma coisa eu garanto, esse filme ainda nem chegou no seu terceiro e último ato...

Giulia Ghigonetto

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