Axé Conceição Evaristo

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Conheci Conceição em sala de aula. Ser professora é apenas um de seus muitos talentos. E que professora! Me fez perceber como estavam escondidos meus preconceitos eurocêntricos. Disfarçados em pensamentos, comportamentos e atitudes que me pareciam inofensivos e naturais. Aprendi com ela a detectá-los e a transformar meu olhar para o mundo. Tudo isso feito com tanto afeto e tanto carinho que parece que Conceição sempre esteve presente em minha vida. E, na verdade, esteve. Na minha, na sua e na vida de todos os brasileiros.

Afinal, as mulheres negras brasileiras tiveram (e ainda têm) um papel que precisa ser exaltado, respeitado e, sobretudo, valorizado.

Elas que, durante séculos, foram sequestradas em seus lugares de origem em África e, posteriormente alijadas de sua humanidade, tiveram seu passado arrancado e sofreram tanta ou mais violência do que os homens negros. Pois sempre sobre seus corpos recaiu (e segue recaindo), além das outras violências, a violência sexual.

Já no Brasil, seja nos trabalhos braçais no campo, ou no trabalho doméstico nas cidades, lá estavam elas. Além do tratamento brutal inerente à escravização, o homem branco possuía seu corpo e muitas vezes a engravidava, desprezando filho e mãe após a satisfação sexual. Via de regra, as mulheres brancas, atribuíam às próprias mulheres negras a culpa do marido desejá-las. E , através de mais violência, as puniam por sua “sedução” que desencaminhava os homens brancos. Quando tinham seus filhos, o leite materno que produziam era destinado aos filhos das famílias brancas. Quantas famílias brancas não tiveram em sua história uma ama de leite?

Muitas mulheres negras, como escravas de ganho, tinham permissão para circular pela cidade e vender seus quitutes. Após entregar parte do que ganhavam para seus senhores, conseguiam economizar e comprar a liberdade de homens e mulheres, dando início a uma das mais importantes formas de resistência: a criação no Brasil de espaços onde a espiritualidade africana pudesse acontecer. O que, posteriormente, vamos conhecer por terreiros.

Com a assinatura da Lei Áurea, os homens eram proibidos de estudar e não encontravam trabalho. Novamente elas, que já frequentavam as casas das famílias brancas, seguiram trabalhando e proporcionando sobrevivência ao imenso contingente de pessoas abandonadas pelas ruas do país após a farsa da libertação. Farsa, pois junto com a liberdade não vieram ações de reparação dos séculos de trabalho forçado que enriqueceu as famílias brancas brasileiras e, muito menos, cidadania aos ex-escravizados para que pudessem estudar e trabalhar dando início a construção de uma vida digna.

Mas além de professora, Conceição é escritora. Se ser seu aluno é um privilégio para poucos, todos podem ter acesso a sua literatura. Em seus livros, você poderá compreender as brutalidades e delicadezas relativas ao fato de ser mulher negra nesse país tão racista quanto machista.

Está tudo lá através de uma escrita ora poética, ora mais realista, mas sempre contundente. Ela nos brinda com um universo que especialmente os brasileiros brancos desconhecem pois, assim como eu, foram ensinados que as pessoas negras, sobretudo de pobres, representam perigo, não são belas e nós, que nascemos com inúmeros privilégios, nada temos a ver com suas dificuldades sociais.

Conceição faz da sua escrevivência uma literatura que balançou as bases acomodadas do meio literário brasileiro. Hoje, é reconhecida, prestigiada, premiada. Mas ainda é muito pouco. Conceição precisa de tempo e tranquilidade para seguir escrevendo. E nós, devemos escutar o que ela diz e descobrir as inúmeras escritoras negras que, além dela, não de hoje vem escrevendo e reivindicando seu lugar nas prateleiras, festas literárias, escolas e bibliotecas.

Conceição completou 72 anos. Seu reconhecimento demorou a chegar. Cabe a nós agora seguir comemorando sua existência e sua escrita. E entender que o que impede as mulheres negras de ascenderem socialmente são discriminações e preconceitos que também estão em nossas próprias atitudes e pensamentos.

 Axé, Conceição Evaristo!

 

Beijos

 Renato Farias

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Aproveito aqui e deixo alguns links de vídeos, um depoimento meu sobre o trabalho da Conceição e um programa que gravei!