“brasil ENTRE portugal” no ir e voltar de Rodrigo Brasil
Tem sido cada vez mais comum jornais noticiarem o intenso fluxo migratório de brasileiros rumo à Portugal. Atrizes, atores, escritoras, escritores, artistas de diversas áreas e pessoas de áreas que nada tem a ver com o fazer artístico tem avistado as terras portuguesas como o lugar ideal para viver com tranquilidade e segurança.
Portugal nunca esteve tão logo ali. O entrevistado de hoje, certamente faz parte dessa estatística e poderia ser encontrado numa matéria jornalística sobre o assunto. De jornalista à conteúdo da própria notícia. Dias e dias. Idas e voltas. Rodrigo Brasil (é o sobrenome dele mesmo) é natural de Porto Alegre, tem 24 anos, a um mora em Portugal e nos conta como um intercâmbio pode mudar tudo. Ou melhor, pode transformar uma etapa acadêmica em projeto de vida.
Nome: Rodrigo Brasil
Idade: 24 anos
Profissão: Jornalista
Quanto tempo em Portugal: 1 ano
RODRIGO BRASIL
I - A decisão de morar fora do Brasil aconteceu por algum motivo específico (trabalho, estudo, família…)? Como se desenhou esse processo de migração e a escolha por Portugal?
Ela aconteceu em 2019. Eu estava no último ano da graduação de Jornalismo, em Porto Alegre e tinha feito o último semestre aqui em Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa e me apaixonei pela cidade. Impressionante assim! Eu nunca tinha saído do Brasil, foi a minha primeira vez. Então acho que também por isso… Esse deslumbre por Lisboa. E quando eu cheguei no Brasil do intercâmbio, em janeiro de 2019, eu botei na minha cabeça: vou terminar a graduação, juntar uma grana e voltar pra Lisboa pra fazer o mestrado. Eu já tinha alguns planos de seguir na carreira acadêmica, porque eu vi que o mercado de jornalismo era complicado no Brasil. Não só no Brasil, mas no mundo todo. Então eu pensei em seguir na academia estudando, e aí quando me apaixonei por Portugal já tinha colocado na cabeça que eu ia voltar em breve e pronto. Um mês e meio depois retornei (setembro de 2020). A decisão foi pelo estudo e por estar se criando um clima no Brasil que é impossível continuar, sabe? Já estava sufocado. Eu e minha namorada viemos juntos, retornamos, só que o relacionamento já estava passando por uns atritos, ela não queria retornar (a Portugal) depois… Eu queria meio que esquecer os problemas no Brasil, a política já tava me incomodando… já estava brigando com minha família… não tava um ambiente bom. Tudo se somou. A vontade de estudar fora, a vontade de voltar para Portugal e a vontade de sair desesperadamente do Brasil. E a escolha por Portugal foi pela facilidade do idioma, a facilidade de entrada na Europa, Portugal ainda é o país mais fácil de se entrar aqui. Nós que somos brasileiros temos mais facilidades para entrar. Eu só queria sair do Brasil e eu gosto da Europa. Lisboa foi bem fácil porque já tinha morado e sem contar o conforto e a comodidade de já conhecer o local.
II - Você tem alguma relação afetiva, emocional, familiar com Portugal?
Eu me apaixonei pela cidade, principalmente por Lisboa. Cheguei a conhecer algumas outras cidades portuguesas, mas Lisboa eu me apaixonei. Já tinha essa relação afetiva antes de vir. Familiar… Minha família é de origem portuguesa, mas o que me atrai a Portugal não são as minhas raízes. Eu me sinto muito bem aqui. Me sinto como se eu tivesse em casa. Fui agora pro Brasil fiquei um mês de férias, em Porto Alegre, e eu já estava louco pra voltar. Já acho que tenho meu quarto aqui, tenho meus amigos… tenho uma outra vida. Eu já vejo Lisboa como minha casa.
III - Como é ser um ator brasileiro residindo em território português? Como o artista brasileiro é visto pelos portugueses e como o mercado artístico lusitano lida com esse fluxo cada vez maior de profissionais brasileiros?
É bem difícil. O mercado jornalístico já é difícil no Brasil. Eu já tive dificuldade de conseguir bons empregos aí. Eu sabia que chegando aqui não ia conseguir um emprego na minha área. E ainda sendo estrangeiro… Tem um certo preconceito e tem preconceito com o brasileiro. Eles podem até dizer que não, mas tem. O jornalismo não foge muito disso, tem pouquíssimas vagas. Procurei algumas quando cheguei, continuo procurando e quando surgem são 600 candidatos para uma vaga. É absurdo! Então a gente acaba indo pra outros mercados sem ser o jornalismo. O mercado mais comercial, empregos que são subempregos no Brasil, mas aqui com um emprego desse você consegue viver bem. Eu me despi desse preconceito de trabalhar em restaurante… Aqui eu já trabalhei de garçom, na cozinha, de tudo, sabe. Não existe emprego ruim. Ruim é ficar sem emprego. Eu tenho que me manter aqui na Europa, sei que é caro, então eu parti pra qualquer emprego. Agora eu comecei a trabalhar num lugar que vai me pagar um pouco melhor. Enquanto eu trabalho nesses locais eu continuo mandando currículo para empresas jornalísticas e tal. Mas sei que é uma realidade bem complicada. Tenho esperança que depois que eu concluir o mestrado, falta um ano, vão se abrir mais portas. Talvez eu esteja sendo meio otimista, mas espero que sim. Acho que o fluxo… Tem muito brasileiro e isso não é só no jornalismo, é em todas as áreas. Os brasileiros estão disputando vagas diretamente com os portugueses, têm até vários protestos de xenofobia de portugueses contra brasileiros. “Eles estão roubando meu emprego” e tal. Mas cara, é concorrência. Eles invadiram o Brasil, nos exploraram, agora a gente tá fazendo o caminho inverso e nós não estamos explorando. Estamos tentando buscar nosso lugar aqui, trabalhar dignamente e conseguir o salário pra pagar as contas no final do mês. Tem que vir com uma boa organização financeira. Eu trabalhei por 2 anos no Brasil no jornalismo antes de vir. Então guardei uma grana razoável e ainda posso contar com a ajuda dos meus pais e eu estou trabalhando. Tô me virando. Mas é bom vir com um certo investimento, uma poupança.
IV - Como é sua relação com a língua aí em Portugal? Há muita diferença entre o português brasileiro e o português lusitano na escrita e na oralidade? Já passou por alguma situação constrangedora e/ou engraçada causada por peculiaridades linguísticas entre os dois idiomas?
Minha relação com a língua portuguesa lusitana é bem diferente, mas também não é tão diferente. Lembra algumas coisas, outras a gente fica meio “caralho, que coisa estranha”. Eu já me acostumei um pouco. Quando eu falo com meus amigos brasileiros eu falo o português brasileiro, obviamente. Mas quando eu falo com portugueses eu tento falar com o português lusitano. Na escrita, pra escrever artigo científico eu tenho muita dificuldade. No mestrado eu escrevo português brasileiro, eu não tento me atrever em português lusitano porque algumas palavras eu vou até acertar, mas outras eu não vou. Ou faz tudo certo ou não faz, sabe? No falar eu tento falar o lusitano, eu não uso gerúndio… A gente tem que conjugar o verbo diferente. Algumas palavras básicas que a gente aprende, por exemplo: celular aqui não existe é telemóvel, banheiro aqui é casa de banho. Algumas coisas já estão interiorizadas na gente. E eu percebo que já estou ficando com umas gírias, uns sotaques que eu não tinha no Brasil e fui pegando dos portugueses… Eu uso muito “pois”, “tais a ver”, “giro”... gírias portuguesas que eu aprendi aqui e foi entrando dentro de mim. Eu já passei por várias situações. A última delas foi quando eu fui numa pizzaria com um amigo meu e na hora de pagar… Aqui em Portugal eles conjugam o verbo corretamente. Aí no Brasil o “tu” a gente conjuga certo quando vai escrever, mas a gente usa uma linguagem informal na nossa oralidade. Tu falou, tu leu… A gente não usa tu lestes, tu falastes… Eles aqui falam corretamente. Eu não estou acostumado com isso. Isso tudo porque na hora de pagar com o cartão de crédito ele chegou ao meu lado e falou “pois, seu cartão é transparente”. Aí eu falei: gostou? E ele falou que não estava entendendo. Essas peculiaridades da língua a gente não está acostumado e eles são muito literais. Eles só entendem quando você conjuga o verbo corretamente.
V - Quais são as diferenças e as semelhanças da vida aqui e aí em Portugal no que compreende qualidade de vida, oportunidade de trabalho, estrutura social, conjuntura político-cultural?
A principal diferença é que aqui eu acho que tenho a qualidade de vida que não tinha no Brasil. Tem aquelas coisas de segurança… Aqui a segurança funciona. Eu nunca vi um assalto aqui em Portugal. Eu posso sair às 3h da manhã com o celular na mão, posso deixar o celular no parque… Essa questão de segurança a gente só começa a perceber quando saímos do Brasil. Quando chega aqui fica muito evidente. Sobre oportunidade de trabalho vou dizer que tem muita oferta, mas é aquilo, não é o trabalho dos sonhos. Todo mundo consegue trabalhar aqui. Se você quer vir, você vai conseguir trabalho. Tem oferta. Sobre estrutura social e política, aqui é um governo social-democrata, o primeiro-ministro é socialista, mas é um estado de bem estar social. A maioria dos serviços são públicos. A saúde pública funciona… ainda assim é diferente da do Brasil. A saúde é pública, a universidade é pública, mas o público aqui em Portugal é pago. É bem mais barato do que uma coisa privada. Por exemplo, na minha faculdade eu pago 100 euros por mês. Uma universidade privada seria 500 euros por mês. Então o público aqui é pago, mas de uma forma muito mais modesta. Eu acho certo. No Brasil, a gente tem a cultura do público ser gratuito. Um pobre não tem condições de pagar um hospital, uma faculdade… Só que eu acho que quem tem condições, mesmo sendo público, deveria pagar. Aqui em Portugal como todo mundo tem mínimas condições, não há pobreza… Até deve ter, mas nem se compara. No Brasil, pra isso começar a ser implementado todo mundo teria que ter um nível financeiro bom. Não dá pra botar alguém de classe D e E pra pagar por serviço público, porque não é justo. Mas eu não acho certo que pessoas que estudam em escolas privadas e vão pra uma faculdade pública federal. O público aqui funciona, é de boa qualidade, mas é pago.
A vida cultural aqui é muito boa, principalmente Lisboa. Sempre tem festivais de cinema, teatro, feiras de livro… A cena cultural aqui, mesmo sendo um país menor que o Brasil, é maior e o fomento cultural também. Eles valorizam isso. Eles fazem jazz, concertos ao ar livre… o governo faz propaganda divulgando, colocam anúncios no metrô…
O transporte público aqui é muito bom. Eu ando de metrô muito aqui. Eu não tinha metrô em Porto Alegre. E isso reflete na qualidade de vida. No Brasil você perde muito tempo no trânsito e aqui não.
De semelhança, eu acho que há muitas semelhanças na cultura. Os portugueses gostam da cultura brasileira, eles leem muitos autores brasileiros. São apaixonados por Jorge Amado, por Guimarães Rosa, aqueles clássicos e ainda leem os novos brasileiros. Gostam muito da música brasileira. Caetano, Chico… E toda a questão histórica de Portugal ter colonizado o Brasil influencia na nossa ligação. A questão da gente ter uma mágoa dos portugueses por eles terem nos colonizado… Eles sentem isso. Eles são mais rancorosos com os brasileiros, mas tem muitos que tratam brasileiros de uma forma mais fraternal. Eles sentem um carinho pelo Brasil porque eles sabem que a gente meio que “veio deles” e sentem que fazem parte da gente também. Acho que é uma troca bonita. Eu até vi Caetano falar numa entrevista dele... Ele não demonizou a colonização portuguesa porque ele acha que a gente tem que aproveitar isso. Somos o único país da América Latina colonizado por Portugal e a gente tem que pegar isso e fazer algo positivo disso. Somos um país de língua portuguesa. Temos que valorizar um pouco... Somos colonizados por Portugal e temos a língua portuguesa também que é a língua única da América Latina.
“Bate & Volta”
um lugar: Cinemateca Portuguesa
um café: Choupana Café
uma vista: Miradouro da Nossa Senhora do Monte
uma canção para viajar: La trama y el desenlace, Jorge Drexler
entre Brasil e Portugal... a língua portuguesa, maior herança que podíamos ter.
Felipe Ferreira
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