Como sair da zona de conforto?

Uma das formas de trabalhar na área de filosofia é começando pelos conceitos.  

O que a expressão “zona de conforto” significa?

A partir de algumas leituras, tais como geopsicologia de Orunmilá, as filosofias de Epiruco e Arthur Schopenhauer, além da  neurociência dos afetos de Jaak Pansekk, formulo que zona de conforto significa homeostase.

Em outras palavras, zona de conforto é a capacidade que um organismo tem de manter em equilíbrio condições internas necessárias para a vida, regulando suas funções diante de mudanças externas. Daí, defendo que postular ultrapassar a zona de conforto significa uma defesa do autoextermínio.

Zona de conforto é a maneira de nos mantermos vivos e em bem-estar. E, diferente do que algumas formulações defendem, não é fácil se manter na zona de conforto.

Pelo contrário, estamos sempre lutando para preservá-la. Minha interpretação é bem simples, a expressão “Saia da sua zona de conforto” é uma estratégia psicopolítica do capitalismo que justificaria a nossa autoexploração no contexto daquilo que Byung-Chul Han denomina de sociedade do cansaço ou, ainda, uma tática cotidiana do neoliberalismo para reforçar a condição de sujeito neuroeconômico – como diz Achille Mbembe.

O que menos precisamos é ultrapassar nossos limites. A leitura de Wilhem Reich contribui bastante para essa reflexão, porque nos estudos que correlacionam problemas psicoemocionais com distúrbios corporais, ele elaborou a fórmula: tensão-carga-descarga-relaxamento.

Pois bem, esse processo indica que um corpo precisa passar por essas etapas para manter o nível de energia estável. Seja muita tensão ou excesso de relaxamento, os níveis de energia ficam desequilibrados. O equilíbrio entre tensão, carga, descarga e relaxamento é a zona de conforto. O desequilíbrio produz mal-estar.

O que justificaria defender o mal-estar voluntariamente? Por que defender a noção de ultrapassar os próprios limites? Ora, se zona de conforto é o objetivo da vida, o contorno do seu sentido,  por que iríamos contra?

Não é de causar espanto minar o sentido da vida? Pois bem, a positividade tóxica do mundo contemporâneo não deixa de ser um risco de morte. Ao invés de procurarmos o sentido da vida, testando os limites aos poucos, equilibrando o relaxamento com a tensão suportável, a sociedade do cansaço nos convence que viver em estado de relaxamento seria viver em uma “zona de conforto” e que devemos buscar o inverso.

Esta imprecisão conceitual está na origem dos problemas. Mas, não é somente. O sistema de mercantilização da vida se aproveita disso. Pois, se as pessoas são insatisfeitas crônicas e precisam continuamente ultrapassar novos limites, existe combustível suficiente para que a vida só encontre sentido dentro do lucro.

Sem dúvida, o barbudo alemão do século XIX, Karl Marx, nos ajuda muito com o conceito de alienação. Numa sociedade alienada, na qual as pessoas não reconhecem o valor do seu trabalho e são exploradas, fica bem mais fácil fincar as condições para que o desejo se formate no modelo da autoexploração.

Dessa forma, o que mais desejamos é nos explorar e ocupar os extremos. Por um lado, queremos tensão extrema para produzir e carregar a maior quantidade de energia para realizar esforço produtivo. Por outro, desejamos relaxar e descarregar todas as tensões.

Esse estado pode ser exemplificado tanto na procrastinação com o nosso autocuidado, como a preferência por maratonar uma série que começar a reeducação alimentar ou fazer exercícios regulares, quanto na transformação das pessoas em objetos sexuais nas prateleiras dos aplicativos de encontros, ou ainda, no excesso de fantasias irrealizáveis no qual o gozo homérico se por hiper performances (inumanas).

É nesse contexto que as pessoas são convidadas a habitar extremos. Por um lado, tensão e carga extrema. Por outro, descarga e relaxamento “infinitos”. Ora, nem  uma coisa e, nem a outra podem ser vividas como a superação dos limites em prol do desenvolvimento, ou, zona de conforto – entendida como categoria negativa.

Zona de conforto está no equilíbrio. Não é suportável habitar um mundo de euforia desmedida que não reconhece sentimentos como tristeza, raiva e os limites humanos.

Uma terra de sonhos e fantasia, onde performamos como se fossemos heróis embalados por uma trilha sonora de entusiasmo incontido.

Nós precisamos encontrar diariamente nossa zona de conforto. É nesse exercício cotidiano em que precisamos equilibrar nossa vida íntima afetiva com o mundo. Zona de conforto é uma condição bioenergética do corpo de manter em harmonia a carga e descarga de energia organismo.

Essa hipótese de ultrapassar a zona de conforto é um modo de autoextermínio.  Em poucas palavras: busquemos nossa zona de conforto. Procure se manter de bem consigo. Cuidado com essa esparrela de que podemos nos superar. Não podemos viver somente em estado letárgico, tampouco em alerta o tempo todo.

Não podemos comer demais e nem menos do que o suficiente. Zona de conforto é comer o necessário, reconhecer os limites.

A respeito da pergunta-título do artigo, ela não foi bem formulada, devemos perguntar:

Como atingir e manter a zona de conforto? Superá-la?

Nunca! Portanto, clamo por uma campanha urgente: “Busque a sua zona de conforto!”. Não tenho dúvida de que, assim, começaremos um novo mundo.

Renato Noguera

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