Diante da democracia em vertigem, conciliar ou radicalizar?

EM JANEIRO DE 2020, O DOCUMENTÁRIO DEMOCRACIA EM VERTIGEM DA DIRETORA PETRA COSTA FOI INDICADO AO OSCAR.

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) registrou no twitter em 13 de Janeiro de 2020, “Parabéns à diretora Petra Costa pela indicação de melhor ficção e fantasia por Democracia em Vertigem”. O PSDB polarizou equivocadamente, na ocasião o seu lugar como oposição à Esquerda já tinha sido perdido.  Nós veremos isso adiante, antes de prosseguir é importante definir alguns conceitos sociológicos de multidão e público.

Multidão pode ser entendida como um grupo espontâneo, desorganizado e temporário com um sentimento ou interesse comum. Por exemplo, a multidão pode se formar numa festa popular como o carnaval. A multidão pode surgir diante de um acidente, reunindo pessoas curiosas.

Público é um conjunto de pessoas que mesmo dispersas geograficamente numa sociedade possuem interesses comuns diante de fatos sociais relevantes, mesmo que o Público não atue em conjunto, os indivíduos tomam decisões comuns. O Público de uma banda dá likes no instagram oficial do grupo após o lançamento de um novo clipe, o que não foi combinado entre os indivíduos; mas, ocorre pelo sentimento comum. No caso da vida política, ganham mais os partidos que têm público do que aqueles que conseguem formar uma multidão. As multidões se desfazem tão rápido como se formaram.

De volta ao PSDB, o Partido perdeu o público, ou talvez, nunca tivesse tido público. O PT tem público. O Partido esteve no 2º turno das eleições presidências de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018.  O PSDB errou em não investir em formar seu público. A multidão de eleitores preferiu votar em partidos que se assumiram categoricamente como de Direita.

O filme traz disputas políticas entre: Dilma Roussef, no cargo da presidência de 2011 a 2016 quando sofreu impeachment, e, Eduardo Cunha, deputado federal de fevereiro de 2003 a setembro de 2016 quando era presidente da Câmara. No ano de 2011, Dilma propôs uma faxina em cargos estratégicos. No 2º mandato, ela entrou em colisão com o presidente da câmara. Vale dizer que ela reconduziu Rodrigo Janot para a Procuradoria Geral da República (PGR), Janot já tinha dado sinais de que investigaria Eduardo Cunha. Em 17 de Julho de 2015, Cunha anunciou que defenderia a saída do então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atualmente MDB, da base do Governo Federal, cerca de um ano depois  Dilma Roussef contava os dias para deixar o cargo. O caminho para eleição de um candidato do Partido Social Liberal (PSL) estava sendo pavimentado, Jair Bolsonaro, deputado federal por sete mandatos de 1991 a 2018.

A corrupção não foi a questão central para saída de Dilma Roussef, as pedaladas fiscais do seu Governo foram tornadas legais por Michel Temer, presidindo o Brasil de 2016 a 2018. É disso que o filme Democracia em Vertigem trata. No filme, a vitória de Lula em 2002 é descrita acertadamente pelo discurso da conciliação. Não era mais o Lula de 1989 que não pagaria a dívida externa. Mas, o Lula da “Carta aos brasileiros”. Ele foi eleito e no final do mandato teve uma aprovação acima de 80%. O opinião pública aprovou. O filósofo Vladmir Safatle disse alguma coisa com o seguinte tom após o golpe, “acabou a era da conciliação”. 

Em Março 2013, Dilma Rousseff tinha popularidade bastante alta 79% da população consideravam o seu governo ótimo ou bom de acordo com o Ibope. Mas, três semanas depois dos protestos de 13 de Junho de 2013, a popularidade era de 31%. É importante recuar um pouco antes de avançar. No ano de 2013, a presidenta Dilma Rousseff seguiu na contra-mão da conciliação do Governo Lula. 

A pergunta é a seguinte, qual deveria ser a estratégia possível? Radicalizar em prol de políticas de redistribuição de renda, atendendo os setores mais pobres da sociedade brasileira? Ou, deveríamos seguir no ritmo da conciliação do Governo Lula? Não se trata de achar culpados para o golpe jurídico-político. É óbvio que independente de ser de Esquerda ou de Direita, o golpe é um fato político.

De volta ao PSDB, o Partido errou. Em 2015, Aécio Neves, então senador pelo Estado de Minas Gerias e presidente do PSDB, afirmou que o seu Partido não tinha perdido a eleição para outro Partido; mas, para uma organização criminosa. O que acabou por favorecer uma onda em favor do impedimento da presidenta. Em dezembro de 2015, um panelaço se instalou em residências de classe média quando Dilma Rousseff fez um pronunciamento. O documentário liga bem os fatos, em 04 de Março de 2016, o então juiz Sérgio Moro autoriza a condução coercitiva de Lula. O ex-presidente foi preso cerca de dois anos depois em 07 de Abril de 2018.  No meio disso tudo, Dilma Rousseff tinha perdido o mandato.

Vale dizer que durante o processo de impeachment, muitos deputados de Esquerda, Centro e Direita dizem que Dilma nunca os abraçou. Lula abraçava. Mas, a pergunta da diretora do filme Petra Costa é interessante, Dilma vai ser impedida por causa disso? No documentário, Paulo Maluf diz que ela é honesta, faz uma comparação gastronômica, Dilma era uma boa cozinheira; mas tinha que cozinhar ao gosto dos que comem.

É importante levar em consideração que o cenário econômico mundial estava desfavorável para as commodities (produtos que funcionam como matéria-prima por serem produzidos em larga escala, podem ser estocados sem custos elevados e com baixo padrão de qualidade), por exemplo: a soja, a cana-de-açúcar, o café, o minério de ferro, a carne bovina, o cacau, o alumínio. Ora, esses eram os produtos que garantiam o superávit da balança comercial brasileira. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu durante os dois mandatos do Governo Lula. A partir de 2013, a queda durante o Governo Dilma começou. Vale lembrar o contexto internacional baixou os preços das commodities. A indústria nacional começou a empregar e produzir menos. 

Mesmo assim, em 2014, o PT venceu o PSDB e o resto da história, quem lê já sabe. Ora, o melhor rival para o PT era o PSDB e vice-versa. Quando o PSDB começou a pedir o fim do PT, “o feitiço virou-se contra o feiticeiro”, diz o ditado. O PSDB acabou sendo lido pela multidão como um “partido igual aos outros”. Todos eram iguais. Se todo o sistema é corrupto, apenas, uma pessoa, sustentada por grupo político anti-sistema, pode ser digna de governar. Isso favoreceu Jair Bolsonaro. Ele dizia durante a campanha que podiam xingá-lo de tudo,  de qualquer coisa, fosse machista, racista, homofóbico ou autoritário; porém, menos corrupto. A corrupção se tornou o único pecado não permitido, qualquer outro poderia ser perdoado. Isso inviabilizou o PSDB. 

O PSDB perdeu mais do que ganhou. O PT ficou muito desgastado e um partido de pequeno porte como o PSL, vencedor das eleições, abrigou o Jair Bolsonaro, então presidente, por um tempo curto. O que define se devemos conciliar ou radicalizar está no nuance das Esquerdas e Direitas. Os extremos são mais disruptivos, quando mais se aproxima do Centro (político) mais se concilia. 

O momento é de batermos um papo sobre o filme Democracia em Vertigem  com familiares e pessoas amigas, no local de trabalho. Para quem lê este artigo, eu sugiro assistir o filme para projetar o futuro com base no passado, avaliando se realmente podemos conciliar classes sociais e se a radicalização é possível na atual conjuntura de organização e mobilização dos grupos políticos à Esquerda. A minha resposta é de que devemos nos preparar para o pior sempre, esperando as cenas dos próximos capítulos. Porque preparados para tempos difíceis a democracia resiste. E, quando a maré estiver boa, a democracia floresce com mais força ainda. 

Renato Noguera

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