Direitos humanos para todos

Carybé

Carybé

No último dia 10 de dezembro foi celebrado mundialmente os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na Catedral da Sé, pude participar com outros três monges das escolas Shin e Zen e diversos líderes em um ato interreligioso, em meio a católicos, protestantes, muçulmanos, judeus, espíritas, religiões de matriz africana, indígenas, todos sentados lado a lados. Uma cena que levou certamente séculos para acontecer. Todos no ensejo de serem protegidos em suas crenças e direito ao culto e fazer a sociedade entender que um país laico contempla todas as formas de crenças legitimamente, inclusive o direito de não se acreditar em nada, no caso dos ateus.

 A diversidade religiosa tem recebido ameaças em postagens nas redes sociais, declarações de parlamentares na recente campanha eleitoral e mesmo do futuro presidente, alegando o Brasil ser um país cristão, em um lema enfadonho: Deus acima de tudo. Isso me lembra um pouco a Espanha de Fernando e Isabel declarando algo semelhante aos judeus e muçulmanos, e ao final, a história registrou momentos bárbaros.

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Foto Jean Tetsuji

Cada líder teve sua palavra por cinco minutos, e entre um e outro um padre recitava um artigo da Declaração. Mas a que me chamou atenção foi o grato posicionamento do imã (líder muçulmano) em sinalizar não apenas a urgência de aplicabilidade dos artigos da declaração, mas que os cidadãos comuns tenham ciência da sua própria responsabilidade e reconhecimento para com os direitos dos outros, e não customizar quem pode ter direitos ou não. 

Já o pastor da Igreja Cristã Reformada evidenciou que os direitos de minorias adquiridos em leis e dispositivos legais não podem ser revogados ou alterados por um novo governo e seu viés religioso. A mãe de santo rogou em um mantra incansável o fim da mortandade de seus filhos negros por racismo e terreiros atacados por intolerantes religiosos. O líder indígena pediu urgência e vigor nos respeitos das terras demarcadas sob a ameaça do novo governo rever seus direitos permitindo assim um maior desmatamento em detrimento à expansão da produção agrícola.

Quando defendemos os direitos humanos, nas atrocidades urbanas será lembramos da travesti torturada e morta, do casal gay atacado com uma lâmpada fluorescente e murros em plena avenida Paulista, do morador de rua espancado e morto dentro da estação de metrô, do infanticídio de pais intolerantes? Temos a nubla ideia do que vem a ser direitos humanos, esquecemos o curso da nossa própria história de 50 ou 100 anos atrás, que dirá séculos de perseguição religiosa, Inquisição, cruzadas entre outros.

Em resposta a violência urbana, outro aforismo popular decreta que bandido bom é bandido morto e o projeto armamentista defendido igualmente na eleição é alarmante e fantasiosa de soluções, em uma sociedade cujo princípio ética vale apenas ao político corrupto, ou que ignora o lado direito de uma escada rolante do metrô ou entende como esperto capturar sinal da internet do vizinho.

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O Brasil é o país que mais mata cidadãos LGBT no mundo. No site Rádio Senado as estatísticas apontam em 2017 um número assustador, 445, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia. Esses são números conhecidos, fora os atos de tortura, violência e crimes homofóbicos caracterizados como crimes comuns. Em oito anos, o Brasil matou 868 travestis, dado publicado pela ONG Transgender Europe.

E mais outro aforismo ficou registrado na campanha: prefiro um filho morto a um filho gay. A população LGBT se vê altamente preocupada com novas diretrizes de uma bancada machista religiosa tradicional intolerante. Particularmente quero acreditar que há muitas mais pessoas boas, éticas, justas e filtros governamentais impedindo tais perdas, mas vejo com certa agonia a reverberação da ideia de uma eugenia por indivíduos comuns sem senso crítico e dotados de uma visão míope socialmente como um ato redentor justificado, a famosa caça às bruxas.

 Os ânimos dessa eugenia pairam em muitos discursos. Discursos com viés religioso, visão unilateral contrária à pluralidade saudável em uma sociedade. As leis e os direitos devem contemplar qualquer cidadão, indiscriminadamente de cor, status social, etnia, orientação sexual ou religiosa. Façamos valer os artigos da Declaração dos Direitos Humanos, o direito à vida, da Vida que se manifesta na vida, o Todo que se manifesta na unidade, sem julgamento, sem discriminação.

O discurso dos direitos humanos não apoia em momento algum, como alertado no ato interreligioso, a violência social, o bandido, a marginalidade, o estupro, estes são apenas reflexos de uma sociedade completamente desequilibrada cultural e economicamente. A propósito do preconceito, seria muito importante detectar a origem deles, e sempre inevitavelmente caímos na interpretação contemporizada da ortodoxia de textos religiosos por alguns indivíduos decretando o que vem a ser correto para todos. Porém, esse “todos” possuem visões distintas sobre a mesma vida, percepções variadas sobre a existência de forma peculiar e que devem ser respeitadas, sem imposição de um ao outro. Precisamos urgentemente pensar no coletivo e não na maioria.

 Pratique o Bem, evite todo Mal, seja o senhor de sua mente, eis uma das primeiras lições de Buda Shakyamuni.

 Tudo provém da mente, tudo é criado pela mente, tudo volta para a mente, inclusive nossos preconceitos e definições sobre tudo na existência.

 

Namu Amida Butsu,

 Gassho

 Rev. Jean Tetsuji

 釋哲慈

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