Heróis como nós

Milena Ferreira

Milena Ferreira

Sobre sonho, inspiração e representatividade.

Nós precisamos escolher melhor nossos ídolos, nossas referências. 

Cheguei a essa conclusão na volta pra casa após mais um dia de trabalho. O transporte público é solo fértil para as ideias. O fluxo orgânico de pessoas, de energias, o comportamento peculiar do passageiro que desce, o descompasso da multidão que entra... São projeções vivas de uma bios que pulsa e transcende o racional. 

O sonho me acompanha desde o trajeto de ida a escola, ainda pequeno, até o vai-e-vem da vida adulta. Sonhar move a vida pra um lugar acolhedor e atenua as dores de um cotidiano por vezes áspero em sua monocromia. Sentir a liberdade dos nossos quereres, ainda que ela à primeira vista se revele uma insanidade inalcançável, é uma experiência que precisa ser alimentada. Do contrário, morremos famintos. 

O sonho que me inquieta é o de viver integralmente da minha escrita. Pagar os boletos com a arte da minha palavra. Viver integralmente do que eu monto e remonto a cada sinfonia de dedos sem precisar fazer jornada dupla, escrever as escondidas durante o expediente ou marcar entrevistas no mesmo dia das consultas médicas pra conseguir sair mais cedo sem ter o dia cortado. Apenas isso! Sou aquele sonhador clássico, trovadoresco. Sonho alto, a mil pés. Sonho em ver um programa criado por mim assassinar o roteiro e ganhar vida, em assinar uma coluna num jornal impresso, em escrever uma novela (ainda que desconfie muito da minha estrutura psicológica para uma obra tão babilônica), de ver minhas ideias não morrerem projetadas na cova rasa e tecnológica do Google Drive.      

A euforia dança com a melancolia. O otimista esbarra no pessimismo sorrateiro que fica na espreita só esperando o cansaço chegar. Ele chega. Ele é visita constante. Aquela persona non grata que faz questão de se fazer presente. Hoje, toda vez que penso em desistir penso no Paulo Vieira. A história dele faz eu não me dar o direito de deixar de sonhar. 

O Paulo é pra mim, um dos poucos artistas que abraçam suas raízes com orgulho e a consciência daquilo que representa. Ele preserva sua identidade com a grandeza sincera de quem sabe que o valor de quem se é e da essência que se tem valem mais que o status efêmero da fama. Ele não sucumbe ao estrelato porque ele é a própria estrela. Tem luz própria, reluz forte, com uma sinceridade cada dia mais rara na constelação de egos.   

A trajetória do menino de Tocantins é um exemplo de que todo sonho é possível. Ver um humorista de fora do excludente eixo Rio-SP co-apresentar um talk-show na Record - ao lado de um artista consagrado como Fábio Porchat - com estofo e desenvoltura foi uma inspiração que levarei comigo pra sempre. Hoje, vê-lo na tela da Globo em diferentes programas e horários faz eu me sentir mais orgulhoso e sonhador.

A simplicidade com que ele se mostra - seja cantando Lua de Cristal ou compartilhando a alegria incontrolavelmente genuína de quem fez das próprias dificuldades a bússola para transformar o abstrato em real - cativa e tem a capacidade de romper a barreira idílica que separa o ídolo do fã. Nutrimos por certos artistas uma relação tão intensa de admiração, de respeito e isso faz com que a gente abdique da possibilidade de um dia estarmos frente a frente com eles pelo medo do encanto se dissipar. O Paulo é um dos poucos com quem eu tomaria um café, uma cerveja, um vinho, pediria autógrafo e até selfie, sem problema em cair no ridículo.                           

Paulo,

Se eu fosse diretor de televisão te daria um programa solo. Você daria conta do recado sozinho que eu sei. Aliás, sabemos disso. Mas como na TV o modus operandi perpassa por requisitos que vão além do talento, os critérios das escolhas nem sempre são justos, naturais. Tem coisa que não precisa acontecer pra existir. Assim como Fernanda Montenegro não saiu com a estatueta, mas ganhou o Oscar de 1999, nem sempre quem ganha é quem de fato leva. Nem sempre é o músico mais preparado que rege a orquestra. O mundo é incerto e tá tudo certo! Se jogue daí que continuarei daqui torcendo, aplaudindo, gargalhando, me inspirando, e sonhando (prometo!).    

Felipe Ferreira

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