Infecções Sexualmente Transmissíveis (ITS) entre mulheres: o que sabemos?
Na coluna passada abordei a necessidade de fortalecimento da educação em saúde para o controle de doenças infecciosas. Fica claro que se não tivermos a informação de maneira continuada, não conseguimos gerar o conhecimento adequado e, por fim, não desenvolvemos a consciência quanto a nossa participação no controle das doenças.
Mas, e quando não temos ainda conhecimento suficiente sobre as medidas de prevenção de doenças específicas? Foi-me solicitado pelas leitoras assíduas do Blog.G que falasse um pouco sobre as medidas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) entre mulheres que mantêm contato íntimo com outras mulheres – sejam elas lésbicas ou mulheres que fazem sexo com outras mulheres (MSM).
Eu, que sou da área da saúde e casada com uma mulher, em um primeiro momento me peguei surpresa por não saber prontamente discursar sobre este tema. A partir dai, após uma busca por informação, ficou evidente a escassez de conhecimento científico relativo a este tema de fato. Poucos são os estudos realizados nesta seara, principalmente no tocante a incidência de infecções sexualmente transmissíveis entre mulheres, o que faz com que haja uma necessidade urgente de entendimento sobre o acesso desta população aos serviços de saúde, considerando principalmente a saúde reprodutiva e sexual, objetivando, mais uma vez, a universalidade dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na realidade, há dois pontos que gostaria de abordar: a falta do conhecimento técnico e científico sobre as ISTs nesse grupo de mulheres, e o papel dos profissionais da saúde nesse contexto.
Começando pelo segundo ponto, nota-se que ainda existe despreparo e preconceito de alguns profissionais de saúde no atendimento de mulheres lésbicas ou MSM, o que faz com que a adesão desse grupo aos serviços de saúde seja menor do que na população de mulheres heterossexuais. Isso foi refletido pelo estudo realizado por Coelho et al (2006) que demonstrou que de 18 a 35% da população de MSM nunca havia realizado o exame de Papanicolau contra 13% da população feminina heterossexual da mesma cidade.
Esses resultados corroboraram com Barbosa e Facchini (2010) que mostraram que 50% das entrevistadas nunca haviam feito o exame de Papanicolau. As justificativas são as mais diversas, entretanto o que foi recorrente na fala das entrevistadas foi a falta de cuidado na abordagem e acolhimento por parte dos profissionais de saúde. Essa falta de empatia leva à redução da adesão das pacientes aos serviços do SUS, o que limita a atuação do serviço de saúde quanto à prevenção. Lembrando que quando falamos de prevenção nos referimos, mais uma vez, à educação em saúde e acesso à informação.
Ademais, foi relatado ainda no estudo de Barbosa e Facchini (2010), a falta de conhecimento e desenvoltura dos profissionais de saúde quando compartilhada a orientação sexual pelas entrevistadas, conforme transcrição abaixo.
“Não, não diria que tenho uma relação boa. Não em relação a mim, mas eu acho que os profissionais de ginecologia, eles fazem diferenciação, sabe. Eles não te abordam assim ‘qual sua opção sexual?’ Eles te abordam assim: ‘Qual o método anticonceptivo que você usa?’ Ou: ‘você usa camisinha?’ ‘Não’. ‘Você usa anticoncepcional?’ ‘Não’. ‘Então o quê você usa?’ Eles já partem do pressuposto que você é hetero. Ai você fala ‘não, não uso porque eu sou homossexual’. E aí a fisionomia muda. Dizem ‘ah tá!’ e aí abaixa a cabeça. Não deveria ser um ‘ah tá!’, né? E aí, as perguntas não passam a ser voltadas pelo fato de você ser homos- sexual. Não, não tem essa! Aí, pulam essa parte todinha, sabe? Vamos partir para o exame! Eu não sei, eu acho que eles não imaginam como seja a relação sexual de homossexuais femininos. Por que eles não perguntam se tem penetração anal, não perguntam nada! Eu acho que isso é falta de informação do profissional. E eles se sentem constrangidos. Impressionante. ...Eu acho que pode ser até um lance de segurança, que pelo fato deles terem um homossexual na frente, eles não se sentem seguros. Sabe, eles não dão vazão a você questionar. Meu, aquele lance: ‘Ai não vamos falar muito, vamos ser diretos, vamos ser objetivos. Se fizer alguma pergunta, eu não vou saber responder’” (25 anos, estudante de curso técnico em enfermagem, teve sexo com homens no início da vida sexual).
Eu não sei vocês, mas eu me identifiquei demais com a fala desta estudante. Na minha experiência enquanto paciente, muitas vezes me deparei com esse sentimento de que todos aqueles que me atenderam partiram do pressuposto que eu era heterossexual e não homossexual. E isso é “engraçado”, por gerar uma ansiedade na nossa fala. Em que momento eu externo que eu sou lésbica? Será que eu digo? Será que é melhor não dizer agora, e dizer somente se ele permanecer enquanto meu médico?
Se não conseguimos partilhar essa informação com os profissionais de saúde, onde obteremos as informações necessárias para a nossa prevenção? Para uma parte da população, antes de ser visto com naturalidade, a ida ao ginecologista pode ser encarada como uma situação delicada, pois envolve uma série de representações sobre o seu corpo, sobre como será o exame físico e, inclusive, sobre as experiências anteriores (boas ou ruins) que tivemos com outros profissionais. Então, a falta de desenvoltura de um profissional pode claramente dificultar ainda mais esse momento.
Voltando para a minha busca por informações e evidências científicas sobre a incidência das ISTs em lésbicas, achei alguns artigos que tratam sobre esse tema, e que enfatizam infecções como HIV, HPV, gonorreia, dentre outras. As mais diversas práticas sexuais entre duas mulheres envolvem o contato e troca de fluidos (sangue menstrual e lubrificante vaginal), o que as torna, também, vulneráveis a diversas infecções. Neste mesmo sentido, a prática do sexo oral também é forma de infecção considerando a existência na boca de ulcerações, fissuras e cáries.
Dentre essas três ISTs supracitadas, o HPV é o mais prevalente entre mulheres e pode ser transmitido pelo contato oral-genital, genital-genital ou até mesmo manual-genital. Considerando este último, percebemos que não há a necessidade de penetração vaginal ou anal. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 291 milhões de mulheres no mundo têm HPV, sendo que 32% estão infectadas pelo sorotipo responsável pela maioria dos casos de câncer de colo de útero. Segundo estudos, o HPV está envolvido em quase 100% dos casos de câncer de colo do útero e 85% dos casos de câncer de ânus; 35% de orofaringe; e 23% de boca. Os cânceres de boca e garganta são o 6º tipo no mundo e a incidência está fortemente relacionada ao HPV e à prática de sexo oral, muito realizado entre mulheres.
O uso de acessórios para a penetração vaginal e anal é comum, e existe a recomendação de evitar a partilha desses acessórios na penetração vaginal ou anal, além da utilização de preservativos masculinos diferentes em cada vagina ou ânus. Os acessórios são, talvez, a principal forma de transmissão de alguns agentes, pois funcionam como fômites. Então, higienizar entre um ato e outro é o mínimo para a redução da veiculação dos agentes infecciosos.
Se pensarmos bem, a realização da prática sexual entre casais de mulheres tem diversas similaridades em termos de risco quando comparado a casais heterossexuais. Há similaridades nas diferenças. Dessa forma, considerando que independente de como a prática sexual é feita, precisamos limitar o contato/troca de fluidos, além de ter boas práticas de higiene. Se focarmos neste ponto, conseguiremos minimizar o nosso risco à transmissão de agentes infecciosos.
Espero ter ajudado e estou sempre à disposição.
Abraço,
Rafaella Albuquerque
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