Não há nada mais nu do que um ator

Oficina Inspiração e Transpiração - Teatro Íntimo 2015 - Sesc Copacabana - Foto Carol Beiriz

Oficina Inspiração e Transpiração - Teatro Íntimo 2015 - Sesc Copacabana - Foto Carol Beiriz

Valère Novarrina, um dramaturgo francês, escreveu que “não há nada mais nu do que um ator!”. E acrescenta que “ser ator não é gostar de aparecer, é gostar muito de desaparecer”.

Pensamentos que contradizem grande parte do que pensamos atualmente sobre os atores que, inclusive, podem até ser mais valorizados quanto mais aparecerem nas páginas das revistas e nas redes sociais.

Oficina Adélia e João - Teatro Íntimo - Sede das Cias 2015

Oficina Adélia e João - Teatro Íntimo - Sede das Cias 2015

Mas não quero aqui criticar a relação dos atores com os meios de divulgação de sua imagem e de seu trabalho e, sim, recuperar um aspecto que é menos falado. E, muitas vezes, menos valorizado.

Quero falar do ofício, da sua formação, da dedicação, da quantidade de trabalho “invisível” que há por trás de uma grande interpretação. Como, por exemplo, de Dona Fernanda Montenegro em Central do Brasil. Quanto tempo, quanto trabalho para chegar naqueles momentos sublimes que, felizmente, estão eternizados por uma câmera de cinema.

Cito nossa estrela maior como exemplo por que ela sempre foi uma porta voz da condição do ator como um trabalhador. Mesmo sendo, justamente, reverenciada em cada lugar que chega, aproveita a exposição de sua imagem para defender não só os atores, como lutar por um país mais justo e menos preconceituoso. Suas palavras são tão engajadas quanto poéticas, tão lúcidas quanto revolucionárias.

Comecemos, então, pelo corpo. Instrumento de trabalho primeiro, o corpo do ator precisa ser saudável, disponível, preparado, independentemente se segue algum padrão estético ou não. Quantos anos são necessários para atingir uma consciência corporal... A complexidade de saber escutar a sabedoria do corpo na mesma medida em que se mantém um certo controle sobre ele.

Depois, as emoções. Uma sociedade que reprime a exposição das emoções, denominando essa repressão de auto-controle, acaba por supervalorizar o indivíduo que consegue colocar a razão antes da emoção. Ora, compreendendo que o que nos faz mais originais são justamente nossas emoções, os atores precisam deixar o caminho livre para que elas possam ir e vir, muitas vezes, inclusive, surpreendendo-os. E para isso é preciso tirar tanta coisa do caminho... Só assim as emoções virão na hora em que é preciso emprestá-las aos personagens.

Para isso, outro investimento fundamental é no auto conhecimento. O ator precisa conhecer-se para saber que moram em si os melhores e os piores sentimentos do mundo. Entender suas sombras para não julgar os personagens que interpreta.

Sem falar na cultura. Saber ler é fundamental. Gostar de ler. Conhecer os dramaturgos e escritores clássicos e do nosso tempo. Descobrir as outras artes: o cinema, as artes plásticas, a música. Conhecimentos que devem ir além do “gosto” ou “não gosto”. Quanto tempo para estudar pintores, compositores, cineastas...

Oficina Adélia e João - Teatro Íntimo - Sede das Cias 2015

Oficina Adélia e João - Teatro Íntimo - Sede das Cias 2015

E ainda há o estudo específico da área. Muito além de Stanislawski e Shakespeare, é preciso mergulhar na história do teatro mundial e brasileiro para não achar que estamos inventando a roda.  

E, hoje, mais do que nunca, é  preciso saber posicionar-se politicamente. Todo ator é um ser político. Desde o momento em que escolhe algo para dizer está fazendo uma escolha política. Precisa ter consciência para quem está dizendo o que está dizendo. E por que. Para isso, deve estar bem informado e conhecer a história do seu país.

Enfim, há muito o que estudar para se chegar a ser um ator.

Mas o que muitas vezes fica ainda mais invisível são as horas que os atores passam nas salas de ensaio. Ou nas salas de suas casas se preparando para ir para os ensaios. O estudo minucioso das infinitas possibilidade de estar em cena. Como dizer o texto. Como escolher entre comportamentos possíveis. Como estar atento para o diretor e para os colegas em cena.

Tudo isso leva muito tempo. Uma dedicação quase ininterrupta que faz com que os atores estejam trabalhando praticamente 24 horas por dia, pois a observação do mundo e de si mesmo também é sua matéria prima.

E depois de todo esse trabalho, lá está ele: entregue ao seu ofício, exposto de corpo e alma, totalmente vulnerável. Enfim, quanto trabalho para finalmente estar nu diante das plateias, das câmeras, nas ruas. Desaparecer para que seu trabalho apareça. Para, então, dar início a uma outra batalha. A luta do dia a dia para que seu trabalho seja valorizado!

Renato Farias

Diretor da Companhia de Teatro Íntimo  

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Indicação de Programas sobre o ofício do ator:

COMO SE CONSTROI UM ARTISTA:

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