O Masculino Ferido Fere
“Olhei tudo que aprendi.
E um belo dia eu vi,
Que ser um homem feminino
Não fere o meu lado masculino.
Se Deus é menina e menino,
Sou masculino e feminino”
Essa música foi escrita pelo multi artista Pepeu Gomes no Século passado, mas seus conceitos não são parte do senso comum, ainda.
A Masculinidade Tóxica, aspecto brutal do patriarcado, do homem significar-se e mover-se a partir da violência, da busca por sexo, da força e do poder, desde tempos imemoriais o corrói por dentro. Com isso, corrói tudo, todos e todas que estão ao redor.
Embora esse tema venha sendo estudado e debatido na Academia há algumas décadas, era assunto proibido e velado na dinâmica do dia a dia dos lares e comunidades, “por ter sido sempre assim mesmo”, até alguns poucos anos atrás. Era!
Documentários, filmes, livros, novelas, canções, propagandas, reportagens, pesquisas, aulas, rodas de conversa, leis, publicações em redes sociais e muitas outros meios de trocas de informação se ocupam de denunciar esse comportamento e disseminar formas de mitigá-lo.
Para alguns homens falar sobre esses assuntos é muito novo e os têm pego de surpresa. De repente viram sua “masculinidade” ameaçada por serem rechaçados ao fazer piadas machistas, cantadas nas ruas ou por simplesmente ouvirem um NÃO mais categórico diante de uma insistência inoportuna.
Nas empresas passaram também a ser questionados com alguns conceitos de nomes exóticos, mas muito comuns por aqui também, como mansplaining, gaslighting, bropriation, manterrupting. Mesmo que você ainda não saiba o que significam esses termos, ouso dizer que você já os praticou ou sofreu com eles.
Questionamentos sobre o Machismo e sobre a Masculinidade Tóxica podem ser novos para os homens, mas seus resultados são bem conhecidos pelas mulheres, pois são elas vítimas diretas de um comportamento que não escolheram ter. Vide os dados alarmantes de violência doméstica, feminicídio, estupros e outros abusos dos mais variados.
São dores ancestrais que as mulheres carregam em seus corpos e espíritos, passadas de geração em geração. Dores causadas muitas vezes por pessoas da própria convivência, pais, padrastos, irmãos, tios, primos, companheiros, filhos, professores, colegas de trabalho, etc...
Com as tecnologias em mãos que permitem filmagens e compartilhamentos de informações, esse assunto tem ganhado cores, formas, nomes. Mulheres inspirando mulheres, que se encorajam para denunciar agressões, expulsarem os agressores de casa ou saírem delas, falar abertamente sobre isso com sua rede de convivência, etc.
Mas como esperar algo diferente em uma sociedade:
marcada pelo racismo, misoginia, homofobia, especismo?
onde a (des)educação sexual(?) é feita através de idas a espaços de prostituição e ou através da pornografia?
Que rechaça o diverso?
Que oculta os problemas?
Eu tenho uns palpites!
Olhar para. Falar e perguntar sobre. Revelar incômodos. Apontar o dedo. Refletir. Auto analisar-se. Estudar. E trazer o homem para essa conversa. Para ele perceber a dor que causa e que sente. Ou seria a dor que sente, cala e por isso causa?
Em paralelo ao desenvolvimento dos estudos e questionamentos sobre Machismo, Masculinidade Tóxica e o Patriarcado, passou-se também a pensar e falar sobre a face saudável do masculino. Masculino que habita homens e mulheres. E a reconhecer que o feminino também habita os homens.
Formas de criar meninos que não reproduzam esse comportamento. De recuperar ritos de passagens que inspirem e marquem novas etapas internas. De olhar para os ancestrais, honrá-los em tudo o que nos deram e a partir daí sermos livres para escolher os próprios caminhos, fora da “Caixa do homem” (regras sociais que precisariam ser seguidas). Homens que demonstram sentimentos que não apenas a raiva, homens mais originais e autênticos e que escutam o que sentem e assim se expressam.
O humano é um bicho de bando. E já é possível estar em bandos que estejam dispostos a encarar esses assuntos.
Ter espaços seguros para falar sobre os abusos sofridos e sobre os cometidos é libertador. Eu sei disso por experiência própria. Quando se acessa um espaço de abertura e vulnerabilidade outros homens se sentem permitidos a expor suas dores e desafios. Qual não é a surpresa quando descobrem que muitos sofrem dos mesmos problemas sozinhos por anos e anos?
E que:
não precisam ser durões e dar conta de tudo sozinhos; podem se emocionar; podem cuidar da saúde; o tamanho do seu pênis ou prontidão sexual não são parâmetros reais de nada; é lindo ser original; a orientação sexual é assunto intransferível.
Descobrir a dor (causada e sofrida) é um portal para não voltar a cometer os mesmos erros.
É mais do que hora da descolonização do pensamento machista acontecer entre nós.
Espero poder aprofundar mais os temas aqui trazidos em minha estreia como colunista convidado. Grato Renato Faria e Gaby Haviaras pela confiança. E também a minha amada companheira Ju Royo, que vem me instigando dia a dia com suas provocações, pensamentos e atitudes a ser um humano cada vez mais autêntico.
Alê Girão