O que faz um diretor?
Durante os aplausos em recente estreia de Stonewall 50, espetáculo que marca os 14 anos da Companhia de Teatro Íntimo, lembrei de uma pergunta que minha mãe me fez quando viu a primeira peça que dirigi: o que faz um diretor?
Pergunta difícil, complexa de explicar para quem não vive os meandros da engenharia teatral. Acho que levei um tempo para responder. Mesmo por que acredito que não haja apenas uma resposta. São tantas formas de dirigir quantos diretores há no mundo.
Há os que acreditam que gritando com os atores aumentarão sua escuta. Estes entendem a direção como hierárquica e usam o poder como forma de se auto afirmar.
Há os que creem que dispor os atores em cena, orientando suas movimentações, já resolvem o assunto. Estes podem ser comparados a um guarda de trânsito.
Há os que adorariam estar em cena e acabam projetando bons e maus sentimentos no ator exposto lá na frente. Estes fariam melhor se buscassem uma outra forma de autoconhecimento que reorientasse seu lugar no mundo.
Todos esses, ao meu ver, ou fazem parte de uma escola antiga, que já deveria estar superada, ou ainda não encontraram os diversos caminhos do que realmente pode um diretor.
Diversos, pois há, por exemplo, diretores que dirigem quando são convidados para um projeto. Acabam mergulhando num universo desconhecido até então, e alargando seu próprio mundo. E há os que trabalham a partir de seus próprios projetos, o que lhes dá mais intimidade com os assuntos que serão trabalhados. Ambas são formas estimulantes de dirigir um espetáculo.
Há, também, os que trabalham com pessoas diferentes em cada trabalho e os que costumam trabalhar com as mesmas pessoas ao longo do tempo. Os primeiros aprendem a se reinventar a cada coletivo que enfrentam. Já os que dirigem um grupo ou companhia partem das conquistas anteriores para alicerçar os próximos passos.
Bom, você poderá argumentar. Mas até agora você elencou tipos de diretores e não escreveu nada sobre o que faz um diretor. E você terá razão. Talvez esteja apenas ganhando tempo, como provavelmente fiz ao responder a minha mãe.
O fato é que, no meu entender de diretor de Companhia, um diretor além de orquestrar os diversos criadores num processo teatral, deve ser aquele que gosta de desaparecer. Quanto mais imperceptível for o seu trabalho, mais sucesso ele terá.
Se as escolhas de cenário, figurino, adereços, iluminação, etc. forem tão coerentes, que você, ao assistir uma peça, nem pense sobre isso, e se encante com o que está em cena, ponto para o diretor e todos seus co-criadores.
Se os atores e atrizes estiverem confortáveis com a forma de falar, agir, se movimentar, ponto para os atores e para o diretor. Mesmo que pareçam extremamente desconfortáveis, quando é isso que a cena pede.
Se a dramaturgia for importante, relevante, fizer sentido e a “história” que está sendo contada flua a ponto de você nem perceber que há uma história sendo contada, ponto para o dramaturgo, o roteirista e o diretor. Mesmo que seja uma peça sem diálogos, ou com início, meio e fim subvertidos.
E ponto para o diretor, sobretudo, se houver afeto no que acontece em cena entre os atores, e entre eles e a plateia. Se junto com esse afeto, houver uma delicadeza que sustenta a todos dentro e fora da cena. E, se junto com esse afeto e delicadeza, houver respeito, seja em relação a quem empresta seu corpo e emoções ao espetáculo, quanto ao que está sendo dito e mostrado, e, consequentemente, quanto a quem está sendo afetado por tudo isso. Mesmo que a peça trate de temas violentos, desagradáveis, incômodos.
Um ato teatral deve ser tão revolucionário quanto aconchegante. Tão belo quanto contundente. Tão humano quanto animal. Pois somos animais e humanos, agradáveis e desagradáveis, feitos de luz e sombra. E esses são os elementos de trabalho de um diretor.
Agora, se, mesmo assim, você me perguntar: mas, afinal, o que faz um diretor?
Só me resta responder: respira teatro 24 horas por dia para ter o privilégio de co-criar mundos em que ser humano seja ser tão divino quanto mundano. Para garantir que todos os envolvidos nos processos de criação tornem-se mais confiantes na vida.
E, privilégio maior, para resguardar o teatro como um lugar de afeto, encantamento e de esperança!
Renato Farias
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Diretor da @teatrointimo | www.teatrointimo.com.br
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