O que se comemora no dia 13 de Maio?
Dedico este artigo para
Afonso Henriques de LIMA BARRETO (13/05/1881- 01/12/1922)
Este artigo começa com uma pergunta, peço que quem lê, insista em recorrer à memória.
Do que vocês lembram quando falamos em 13 de Maio?
No ano de 2019, a chegada de Sérgio Camargo à presidência da Fundação Cultural Palmares, órgão do Governo Federal, responsável por políticas de promoção das culturas afro-brasileira e africana. Na ocasião Camargo fez críticas ao Movimento Negro e disse que desejaria fazer homenagens à Princesa Isabel. O dia 13 de Maio não deixa de ser lembrado como data comemorativa de uma alforria irrestrita a todas pessoas negras brasileiras no ano de 1888, quando o Brasil era o único país do mundo que mantinha o regime escravocrata.
Porém, a área de História tem, por conta de demandas de intelectuais antirracistas e, não menos decisivamente, de pan-africanistas, trazido à luz documentos que parecem ter ficado guardados a sete chaves. O que de fato aconteceu no dia 13 de Maio? Pois bem, existem, digamos, três “13 de Maio”. O primeiro inaugurou um fato histórico singular deu-se em 1833. O segundo “13 de Maio” não será alvo deste artigo, trata-se da data de nascimento do escritor Lima Barreto, o que é motivo de festa para a literatura por ser um marco da cultura brasileira. O pensamento barretiano é muito poderoso, ajuda a compreender as relações étnico-raciais, denuncia o racismo e expõe tanto faces lindas quanto grotescas da alma nacional. Esse “13 de Maio” não pode passar em branco. Viva Lima Barreto.
O terceiro “13 de Maio” é mais conhecido e aconteceu no ano de 1888, quando a Princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança assinou a Lei nº 3.353 que dizia no artigo primeiro: “É declarada desde a data desta lei a escravidão no Brasil” – a Lei Áurea. Porém, quando falamos desta data histórica, devemos lembrar do aniversário de Lima Barreto, além do “13 de Maio de 1833”. Por quê?
Vamos ao ponto. Ninguém esquece a Lei Áurea. E do aniversário de Lima Barreto? O mundo da literatura não pode esquecer (assunto para outro artigo). Mas, a Revolta de Carrancas?
No dia 13 de Maio de 1833, as fazendas de Campo Alegre e Bela Vista localizadas na região sul da província de Minas Gerais, conhecida à época como freguesia de Carrancas (atualmente o município de Cruzília no sul mineiro) foram tomadas por pessoas escravizadas após um conflito com escravizadores brancos. No final, o grupo organizado por Ventura Mina, Joaquim Mina, João Inácio, Firmino, Matias e Antônio Cigano ocupou esses territórios, restituindo a liberdade de outros homens, mulheres e crianças que viviam sob severos maus tratos nas duas fazendas.
Essa data se transformaria no maior temor das pessoas brancas escravizadoras, um dia que ficou conhecido como Revolta de Carrancas, também conhecido como Levante de Bela Vista. Revolta de Carrancas do dia 13 de Maio de 1833 virou um símbolo do “ajuste de contas negro”, isto é, momento das pessoas escravizadas reivindicarem a liberdade. É preciso destacar que os anos 1830 ficaram conhecidos como década do medo, não só pelas disputas políticas entre grupos liberais e conservadores no Brasil Império; mas, também pela quantidade de rebeliões e revoltas de pessoas escravizadas; principalmente a Revolta de Carrancas.
A elite branca brasileira do Brasil no século XIX temia um levante das pessoas escravizadas. O livro Onda negra, medo branco de Célia Azevedo Marinho traz um pouco do espírito. Nós podemos dizer em termos historicamente anacrônicos que os tipos de torturas impingidas contras as pessoas escravizadas eram bárbaros, em níveis de crueldade e vilania incríveis.
Uma visita ao Museu Afro Brasil em São Paulo nos enche de mal-estar quando chegamos na área de “instrumentos de castigo”. Foi contra uma séria de violências cotidianas, envolvendo estupros de mulheres e crianças, espancamentos contra pessoas de todas as idades que o “13 de Maio de 1833” se tornou uma inspiração. De acordo alguns estudos, tal como o do historiador Marcos Ferreira de Andrade, professor da Universidade Federal de São João Del Rei, intitulado “Rebeldia e resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais”. De acordo com Andrade, o “13 de Maio” original foi uma rebelião sangrenta, podemos interpretar que Ventura Mina liderou um contra-ataque em relação aos abusos de fazendeiros e capatazes.
A tomada das fazendas por ex-escravizados organizados não durou muito tempo, as pessoas escravizadas foram capturadas e julgadas pelas. No tribunal, o branco Gabriel Francisco Junqueira foi o denunciante; afinal vários de seus familiares tinham morrido durante o conflito contra o grupo de Ventura Mina. Nas páginas dos escrivães de polícia nenhuma palavra sobre os abusos brutais dos Junqueira e seus empregados brancos, os relatos populares dizem que o filho morto de Gabriel Francisco Junqueira, o jovem branco Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, comandava com brutalidade requintada o cotidiano do trabalho escravizado na fazenda Bela Cruz.
A Revolta de Carrancas foi um ataque? Ou seria simplesmente uma forma de defesa?
Ventura Mina foi condenado à morte, assim como todos envolvidos, por enforcamento após um julgamento feito por pessoas brancas escravocratas. Ele e todos Dali em diante, algo que não está escrito nos documentos oficiais; mas, merece ser considerado: nasceu uma obsessão branca por apagar o dia 13 de Maio de 1833. A primeira medida foi a Lei número 04 de 10 de Junho de 1835 que instituía uma nova penalidade para pessoas escravizadas no Brasil Imperial. Os fidalgos Francisco de Lima e Silva, João Braulio Moniz e Manoel Alves Branco registraram a pena de morte. Porém, isso não bastou. 55 anos depois, Princesa Isabel a par desse imaginário que ainda causava pesadelo em muita gente da elite escravocrata assinou a Lei Áurea no dia 13 de Maio.
Uma pergunta para pensadores da historiografia brasileira: ela não podia ter assinado no dia 11 de Maio ou no dia 14 de Maio? Por que ela escolheu justamente o dia 13 de Maio de 1888 para assinar a Lei Áurea? Coincidência? Nós podemos arriscar uma hipótese: foi para apagar da memória nacional que as pessoas escravizadas por diversas vezes fizeram levantes e se revoltaram tomando fazendas e reclamando direitos.
A Revolta de Carrancas não foi a primeira tampouco a última; mas, foi emblemática tanto por pagar com violência como por propor uma gestão autônoma e coletiva das fazendas tomadas. Portanto, se alguém quer comemorar alguma coisa no dia 13 de Maio, comemore a Revolta de Carrancas, tem muito valor lembrar as intenções políticas de Ventura Mina. Para quem admira a Princesa Isabel por identificar nela uma percepção visionária para um Brasil inclusivo que distribuiria terras para ex-escravizados, ou, para quem desconfia de suas boas intenções.
Nos dois casos, não é razoável descartar a hipótese de que o “13 de Maio de 1888” foi uma tentativa política de apagar um acontecimento que temos o dever de não esquecer. Viva o 13 de Maio! Viva a memória de Ventura Mina, um nome que simboliza a luta pela liberdade. Pois bem, agora que já sabemos que o verdadeiro “13 de Maio” aconteceu em 1833, nós precisamos tirar esse dia para lembrar a história de Ventura Mina, Joaquim Mina, Damião, João Inácio, Firmino, Matias, Antônio Cigano e tantas outras pessoas escravizadas que lutaram incansavelmente pela liberdade.
Afinal, liberdade é uma conquista, nunca uma concessão.
Renato Noguera
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