O quão perfeito você é?
Todos nós somos imperfeitos.
Mesmo que não queiramos assumir abertamente, porque isso demanda muita coragem e autoanálise, mas: somos imperfeitos. Em diversos aspectos.
Recentemente conheci um youtuber chamado Marcelo Marques e conhecido na internet como Audino, que aplica sabiamente pensamentos de grandes filósofos nas situações mais corriqueiras, utilizando linguagem acessível e, pode-se dizer, universal.
O último vídeo que assisti dele fala sobre o filósofo francês Michel Foucault e o BBB21. Ele traz um pensamento, no meu ponto de vista bastante real, de que: “quem é visto, é julgado”, além de discutir um pouco sobre os acordos gerados nas micro sociedades que muitas vezes não são aceitos pelas convenções de sociedades maiores. Ou seja, ele explica um pouco o nosso ranço (de quem está fora da casa) devido a atitudes de alguns participantes do reality show, que muitas vezes são imperceptíveis para outros participantes que estão dentro da casa.
É o caso da Mamacita (Karol Conká), que diversos participantes acham que é forte aqui fora e que não sairia em um paredão, porque é talvez a única dentre todos com a carreira relativamente consolidada. Dentro deste contexto, o mau comportamento dela foi permitido por aqueles que dividem o reality com ela, mas que não é aprovado pela massa que a assiste.
Da mesma forma, Audino fala do Panóptico, uma espécie de modelo de cadeia idealizada pelo filósofo inglês Jeremy Bentham*, em que a todas as celas estão viradas para uma torre, e os prisioneiros não sabem se estão ou não sendo observados naquele momento, o que induz os prisioneiros a agirem baseados no medo. No BBB os participantes também agem baseados no medo, só que aqui é no medo do julgamento.
Será possível manter-se “perfeito” durante meses?
Será possível manter-se perfeito sem, eventualmente, perder o controle?
Isso é uma dúvida que eu tenho. Mas também sei que é necessário muito esforço para permanecer equilibrado em uma casa em que diariamente são vivenciadas situações adversas e conflituosas. Todos os dias pessoas se descontrolam neste reality. Ou se tornam extremamente vulneráveis e choram; ou se tornam agressivas e atacam. “Só tem esperto porque tem besta” é um ditado do meu estado. Quanto mais vulnerável uma pessoa fica (dominado), mais agressiva a dominante se torna. E tem aquelas que quando são desmascaradas, perdem o controle. Mais uma vez.
É um “jogo” em que o interessante é ver mesmo o adversário perder o controle da situação e gritar, xingar, ferir e ser ferido. É um jogo de poder. É um jogo em que se tem afinidades, mas constantemente é preciso pensar em si para ganhar esse 1,5 milhões de reais. Tudo em nome do jogo. Até onde você iria?
Em 1971, Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford, conduziu um experimento para a avaliação do comportamento humano mediante situações de cativeiro, mais precisamente relacionada à prisão. Ele selecionou 24 homens, considerados os mais sãos, do ponto de vista psicológico, dentre aqueles pertencentes à população de “voluntários”. Coloquei entre aspas porque na verdade o experimento era pago. Cada “voluntário” recebia em torno de 16 dólares à época. Estes seriam divididos em dois grupos, um de guardas e outro de presos e viveriam em uma prisão simulada.
O experimento que deveria durar duas semanas durou seis dias, pois rapidamente ficou fora de controle. “Os prisioneiros sofriam - e aceitavam - tratamentos humilhantes e sádicos por parte dos guardas e, como resultado, começaram a apresentar severos distúrbios emocionais”. Os guardas não poderiam proferir violência física, mas qualquer outra era permitida. Então, comida e o uso do banheiro viraram itens em que os guardas impunham o seu poder. Os prisioneiros foram divididos em grupos para induzir uma competitividade/inimizade entre eles. À noite, a violência psicológica era maior, porque os guardas achavam que as câmeras estavam desligadas.
Ao final de seis dias, um terço dos guardas foram classificados como genuinamente sádicos, enquanto dois dos presos tiveram que ser substituídos devido a graves problemas mentais desenvolvidos. O experimento mostrou a desindividualização, que é a sensação diminuída de si mesmo, dentro de um grupo. Leva a uma perda de responsabilidade pessoal e desemboca na visão comprometida da pessoa para com as suas ações. Aqui, claro, estamos falando de um experimento que se baseava em relações de poder, em que papéis foram ofertados e simulações foram realizadas, mas que levaram as pessoas ao extremo.
No BBB diversas situações são desenvolvidas para gerar conflito entre os grupos. A prova do “dedo duro” em que você pode escolher alguém para revelar seu voto; a prova do pódio, em que você tem que apontar as pessoas que estão no pódio e aquela que não ganhará de jeito nenhum; a prova dos influenciadores e influenciados, em que você tem que contar uma história apontando quem compõe cada um dos grupos e o porquê. Inevitavelmente, as pessoas assumem papéis. E, por isso, inevitavelmente temos mais simpatia por aquelas que são as mais vulneráveis, frágeis, incompreendidas.
Por que? Porque é o certo, combater as injustiças? Ou porque queremos parecer bons, perfeitos?
Eles estão lá dentro para servirem de entretenimento para nós que nos alimentamos das situações já supracitadas. Eles dão a cara à tapa e são imperfeitos. E nós? Que perfeição temos em nos alimentar deste tipo de entretenimento e desejar o mal ao outro? Podemos pensar ser muito diferente, mas considerando o que era comum na época, podemos assistir atualmente filmes da época dos gladiadores e vemos a plateia vibrando com isso, achamos estranho né? Parece tão medieval... Dentro do que vivemos como natural, qual a diferença?
Eu falo por mim mesma. Esse reality aflorou os meus piores sentimentos. Eu peguei ranço e me peguei desejando o mal – para quem, na minha opinião é mal. Como se eu quisesse que essa pessoa sofresse. Sofresse por ser quem eu acho que ela é. E que senso julgador desenvolvemos hein?
O quão perfeita eu penso que sou? E o quão perfeito você é?
Pensemos.
Um abraço,
Rafaella Albuquerque
Instagram @rafaas28