O super pedido de impeachment: dificuldades e possibilidades

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Com 46 signatários, entre representantes de entidades da sociedade civil e de partidos políticos, personalidades do mundo jurídico e da política e parlamentares com posições antagônicas no espectro político, foi protocolado no dia 30 de julho, em um ato público na Câmara dos Deputados, o “superpedido” de impeachment contra o atual despresidente.

A denúncia lista ao menos 23 crimes de responsabilidades que teriam sido cometidos pelo chefe do Poder Executivo, reunindo acusações formuladas nos mais de cem pedidos anteriormente apresentados.

Questionado na mesma data acerca do tratamento que seria dado ao pedido, o presidente da Câmara, Dep. Arthur Lira (PP-AL), aliado do planalto, afirmou que “Impeachment como ação política a gente não faz. Eu faço com materialidade.

Tem 120 [pedidos] na fila.” Para além da discussão da materialidade dos crimes, já que no caso do atual despresidente da república beira o absurdo, não enxergar a existência de elementos suficientes para reconhecer a prática dos ilícitos de responsabilidade, os quais, aliás, continuam sendo reiterados diariamente, podemos tecer alguns comentários quanto o processo de impeachment, suas condições de efetivação e possibilidades dada a conjuntura atual.

A nossa história recente, com dois casos de remoção presidencial por essa via, também nos fornece elementos importantes de análise para compreendermos a utilização do instituto.

Dois elementos são fundamentais: o primeiro é o “escudo legislativo”, terminologia do cientista político Aníbal Perez Liñan, que, em linhas gerais, significa a capacidade de o presidente ter apoio suficiente dentre os membros do legislativo que votam o pedido para impedir a sua abertura ou para que este seja derrotado. O segundo é a mobilização popular em busca da remoção presidencial, a qual pode estar fundada em diversas razões, mas com potencial suficiente para demonstrar que há um consenso social suficiente em torno dessa pretensão para que os congressistas também a aceitem.

Collor, por exemplo, em que pese a incapacidade de sua gestão em estabilizar a economia, a sua remoção se deveu em razão de um consenso pela busca da ética na política, dado o reconhecimento de seu envolvimento nos esquemas de corrupção ligados a figura de PC Farias.

A questão que mobilizou a parcela da sociedade pró-impeachment está relacionada com a busca por uma democracia baseada em valores para além da existência de eleições livres e competitivas, o que foi vocalizado pelo “Movimento Ética na Política” que congregou diversas entidades da socidade civil, dentre elas a CNBB e OAB, sendo resultado desta a elaboração da denúncia que levou a remoção de Collor.

Ou seja, a questão ética suplantou as questões econômicas para aquele impedimento. A sociedade civil se mobilizou, com grandes manifestações públicas em torno dessa pauta e o apoio legislativo do presidente, claudicante desde o início de sua gestão, dado o seu perfil de pouco diálogo com o congresso e a busca por impor as pautas do Executivo, se perdeu e o impeachment pode prosperar.

No caso de Dilma Rousseff, seu segundo mandato já se iniciou de forma tumultuada, após as manifestações de 2013 e com a contestação do resultado eleitoral pelo perdedor: atitude esta que, quando ausente indício concreto de fraude, fere de morte um dos princípios do regime democrático, que é do perdedor aceitar a derrota.

As manifestações públicas tinham pautas difusas, bem como os motivos que depois levaram a sua remoção. Inicialmente, não se criou um consenso em torno de uma matéria jurídica específica e a questão das “pedaladas fiscais” foi o elemento utilizado para dar ares de legalidade ao impedimento. Esta matéria não estava presente na primeira denúncia apresentada por Janaína Paschoal e Hélio Bicudo, subscritores do pedido aberto, e somente após a notícia de que o TCU rejeitaria as contas do governo ela se tornou central.

Diferente do caso de Collor, a questão da ética na política, ainda que colocada, especialmente pela presença da lava-jato, teve papel mais simbólico e de desgaste da imagem da presidente e do Partido dos Trabalhadores perante a opinião pública que motivo central da peça acusatória. A questão, aqui, foi a busca por um novo modelo econômico, sem aprovação nas urnas e oriundo da vontade das elites econômicas e políticas do país.

Não houve o mesmo consenso que em 1992 que, aliás, uniu PT e PSDB na mesma coalização de centro-esquerda pró-impeachment.

Assim, o resultado de 2016 não foi um aprofundamento da qualidade das instituições mas, ao contrário, o descredito destas e um processo de deslegitimação da política institucional que conduziu a eleição do capitão expulso do exército como figura antissistema.

Este atual presidente ainda possui uma costura de apoio suficiente na Câmara dos Deputados suficiente para evitar a instauração do processo de impeachment e posterior julgamento no Senado Federal. É preciso ainda entender quais são todos os elementos que sustentam esse apoio, e o quanto o “orçamento paralelo” descoberto em reportagem do jornal Estado de São Paulo tem papel crucial nisso. Mas é certo que, dado o estilo de governar, muito semelhante ao de Collor, de inabilidade em negociar com o Congresso e tentativa de imposição, a sustentação desse escudo pode se esfacelar rapidamente. 

Além disso, pode-se questionar o amplo poder, não previsto em lei e dado pela prática, do presidente da Câmara dos Deputados de não dar qualquer encaminhamento as denuncias de impeachment protocoladas, sem as arquivar ou dar seguimento que seja encaminhada a uma comissão de impeachment.

Dado isso, é fundamental pressionar este ator, criando as condições para que esses pedidos não sejam mais ignorados. Essas condições estão relacionadas com as mobilizações em torno da saída do presidente, de modo que, esse objetivo somente será alcançado quando amplos setores da sociedade se mobilizarem nesse sentido.

O fator tempo também é crucial e a janela de oportunidade política também depõem contra um processo de impeachment hoje. Tanto Collor quanto Dilma foram afastados em anos de eleições municipais, quando os congressistas e demais atores políticos voltam para suas bases e fazem campanha.

O impacto de apoiar um governo impopular pode prejudicar o resultado eleitoral. No caso do atual mandatário do executivo, muito em conta do cenário pandêmico, essa janela de oportunidade se perdeu e agora, mais do que nunca, é exíguo o tempo para tramitação de um impeachment, dado que o final do mandado está cada vez mais perto.

Os casos de corrupção na aquisição de vacinas chocam e mostram a face mais perversa da corrupção: aquela que diretamente leva a morte. O governo podia ter comprado mais vacinas e de forma antecipada e não o fez. Tanto militares no ministério da saúde, quanto a banda podre de partidos fisiológicos buscaram utilizar dos recursos da pasta e da urgência da situação para benefício próprio.

É preciso nos insurgirmos contra isso em todos os meios possíveis. Mesmo que o impeachment não venha, dada as dificuldades apontadas acima, a mobilização em prol dos valores democráticos substantivos não pode parar e deve se dar por todos os meios possíveis. É preciso insistir no Fora bolsonaro, porque ele representa o que há de pior em nosso país. E essa mobilização vai além da luta institucional por sua remoção da presidência, fortalecendo os laços por uma verdadeira transformação que busque responder aos anseios do povo, tornando impossível ignorar as vozes das massas no agora.

 Arthur Spada

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