ONISKA, POÉTICA DO XAMANISMO NA AMAZÔNIA
Oniska, na língua dos Marubo quer dizer nostalgia. Uma outra possível tradução pode ser saudade, essa palavra que tanto nos orgulha, pois só existiria na língua portuguesa.
Os Marubo são um povo que vive no alto do Rio Ituí, no vale do Javari, no Amazonas. São remanescentes de diversos povos falantes de línguas da família pano. Na primeira metade do século XX, um importante xamã-chefe, João Tuxáua, aglutinou, junto com seus parentes mais velhos, vários grupos que haviam sido expulsos de suas terras de origem, por causa da violenta exploração da borracha.
Dispersos, acabaram se reunindo na região das cabeceiras dos rios Ituí e Curuçá, no extremo da Amazônia ocidental brasileira. A relação entre esses povos era bélica e desorganizada.
Liderados por João Tuxáua, também conhecido como Itsãpapa, passaram a adotar a perspectiva do parentesco, trabalhar coletivamente no roçado, nas caçadas, festivais e no xamanismo, dando origem, assim, a uma nova sociedade.
A língua adotada foi a de um dos grupos antigos, o povo pássaro (chainawavo), mas isso não levou ao desaparecimento da pluralidade dos povos que formaram os Marubo:
O povo azulão (shanenawavo), o povo sol (varinawavo), o povo jaguar (inonawavo), o povo japó (rovonawavo), o povo arara (shawãnawavo), entre outros, que seguiram sendo representados na forma múltipla de ver e de se relacionar com as pessoas e com o mundo, visível ou invisível.
É tão belo quanto complexo para nossa limitada compreensão de não-indígenas. Mas a multiplicidade passou a ser um modo de relação consigo mesmo, com os outros, com o entorno e com o cosmos. Está presente na concepção de pessoa, que passa a ter vários duplos. No pensamento da criação do mundo e do que há nele, que se manifesta através de sonhos, cantos e rituais. E na ordenação e classificação de tudo o que rodeia os Marubo.
Essa sofisticação é um dos pontos que enriquece as artes verbais desse povo, que Pedro Cesarino, autor do livro “Oniska, a Poética do Xamanismo na Amazônia”, traduz e nos apresenta. O livro traz, entre outros tesouros, a tradução de cantos do xamã que podem ser ensinamentos, narrativas míticas ou cantos de cura.
Que o impacto de uma pandemia, como a que seguimos enfrentando, possa nos ensinar a respeitar e aprender com a diversidade dos mais de 300 povos indígenas brasileiros, suas complexidades, suas poéticas, suas formas de estar no mundo e, sobretudo, sua capacidade de construir um futuro possível para todos nós.
Renato farias
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