Pensando em quem precisa entrar na roda

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Estava eu dando uma olhada no Instagram um dia desses e então eu me deparei com uma grande imagem do arco-íris em uma publicação de uma pessoa que não é exatamente quem eu esperava estar publicando ou compartilhando um texto pró diversidade - é claro que isso chamou a minha atenção.

Eu li o texto, e nos dias seguintes eu encontrei algumas outras publicações com o mesmo conteúdo.

O texto é compartilhado como sendo de “autoria desconhecida”, e como ele é curto, segue na íntegra pra gente analisar em conjunto:

Outro dia sentei em um restaurante com um amigo. A garçonete chega para nos atender, nos cumprimenta com um sorriso:

- "Olá Amigues!"

- "Amigues?", eu disse, também com um sorriso.

- "Isso mesmo, somos um restaurante inclusivo!", ela respondeu com orgulho.

- "Olha que bom! Isso é ótimo porque em pouco tempo chegará um amigo que é cego. Você tem o cardápio em Braille?"

- "Não, não temos isso.”

- "Ok, mas minha esposa também vem, mas vem com minha afilhada, que é autista. Menu com pictogramas, otimizado para pessoas autistas, vocês têm?”

- "Não, desculpe...", ela disse visivelmente nervosa.

- "Não tem problema, isso geralmente acontece. Imagino que a linguagem de sinais para clientes surdos você deve saber certo?"

- "A verdade é que você está me encurralando", responde sorrindo de nervoso.

Ela não estava mais confortável, tímida de vergonha, um pouco de culpa e um pouco de desconforto também.

Então eu disse:

"- Não se preocupe, isso geralmente acontece. Mas então lamento dizer que vocês não são um lugar inclusivo, vocês querem estar na moda. Aqui, essas pessoas não conseguiriam se comunicar ou pedir para comer ou beber.

Quer ser inclusivo, inclua todos. Todos aqueles que o sistema não dá oportunidade. É difícil, sim e muito, mas não devemos achar que um E, um X, ou @ no final faz de você inclusivo. Atentar contra a língua portuguesa não lhe tornará inclusivo, lhe tornará burro.

Bom...vamos lá!

Pra começo de conversa, o texto parece muito bom e muito coerente até chegar nos dois últimos parágrafos.

A crítica inicial do texto se direciona a locais que se dizem inclusivos, mas acabam esquecendo de se aprofundar sobre diversidade, inclusão e acessibilidade, e sem fazer a lição de casa, de fato não promovem uma verdadeira política de inclusão.

Locais que se pretendem inclusivos devem se preparar para receber todo e qualquer tipo de pessoa. Isso porque inclusão é receber, mas mais do que isso, é fazer com que participe ou que consuma determinado produto ou serviço aquela pessoa que não participava ou não consumia anteriormente, e isso por fatores sociais externos.

Ou seja, é trazer para a roda todo mundo que está fora dela.

Isso abrange as pessoas LGBT+, as pessoas negras, as mulheres, indígenas, pessoas com deficiência, pessoas refugiadas, pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social, e todo mundo que não é o padrão e a regra pautada pela cis-heteronormatividade, que é branca, hétera, sem deficiência e de classe alta.

Daí então, se “todos” devem ser incluídos, como sugere o texto, é certo que TODO MUNDO deve ser incluído, e com isso as mulheres, as pessoas trans, as pessoas não binárias, aquelas que são alcançadas pela linguagem neutra.

Ou então essas pessoas não são dignas de inclusão?

Me parece que é esse o direcionamento dado.

a - Incluir LGBT+ é “estar na moda”, segundo o texto, mas não uma verdadeira inclusão;

b - Usar uma linguagem neutra que abarque diferentes pessoas, independente de seu gênero, é “estar na moda”, mas mais do que isso, é burrice.

Será que o texto – e mais do que o texto, mas as pessoas que o estão compartilhando – de fato se preocupam com inclusão? Ou será que mais uma vez a gente consegue ver como a diversidade sexual e de gênero incomodam a cis-heteronormatividade?

Na verdade, o fato de eu ter acessado esse conteúdo a partir daquele “contato conservador” me chama a atenção para textos que trazem lobos em pele de carneiro – o que pode parecer uma crítica, é na verdade um deboche.

É certo que não houve uma genuína tentativa de levantar uma discussão sobre a verdadeira e mais ampla inclusão, mas sim de ridicularizar e deslegitimar toda uma construção de linguagem que buscamos consolidar com base em muita pesquisa e cuidado.

Dito isso, fica a dica:

Pra gente que consome, cuidado com as pegadinhas contidas nesses textos aparentemente inofensivos.

Pra quem pretende trabalhar de forma realmente inclusiva, fazer a lição de casa e lembrar de TODO MUNDO que precisa entrar de vez para a roda.

Fernanda Darcie

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