Pensem nas crianças mudas rota alteradas

jean.jpeg

Dias 6 e 9 de agosto de 1945. Duas cidades, Hiroshima e Nagasaki, bombardeadas por armas nucleares nunca antes experimentadas em toda história da humanidade. Sofrimentos incapazes de sentirmos. Centenas de milhares de pessoas morreram instantaneamente, sua maioria pulverizadas, e muitas morrem até hoje em consequência da radioatividade.

TODA GUERRA É, SEM DÚVIDA ALGUMA, UMA ESTUPIDEZ HUMANA.

Guerras surgem de mentes ignorantes, iradas, raivosas, indignadas, gananciosas, insatisfeitas, desajustadas com aquilo que lhe é diferente, inoportuno, inconveniente, indomado. Tudo vem da mente, tudo retorna à mente, disse Buda Shakyamuni. Da mente irada e raivosa de um volta à mente sofredora e dolorosa do outro. Algumas metáforas budistas assemelham a mente a um macaco saltitante ou um cavalo descontrolado.

FALAMOS EM CULTURA DE PAZ. COMO CRIAR UMA CULTURA DE PAZ? O QUE É PAZ PARA VOCÊ? COMO VOCÊ CULTIVA A PAZ?

Nada de frases bonitinhas e bondosas, vamos fazer uma análise de nós mesmos. Proponho a fazer pelos ensinamentos budistas, o qual ensina que tudo começa da nossa própria mente.

O Buda ensina que a mente pode ser dirigida para o conhecimento supremo e iluminado, mas quando não domada, parte para o inferno e sombrio. Quando conhecemos a nós mesmo, como funcionamos e como resultamos esses funcionamentos em nosso entorno, quando nos entendemos nessa interminável malha da vida onde todos estão interconectados e sobretudo interdependentes, começamos a criar uma guerra dentro de nós mesmos.

SIM, VOCÊ LEU CERTO, A PRIMEIRA GUERRA QUE TRAVAMOS É CONOSCO MESMO É NOS CONHECER.

É desconfortável olhar para si, é como o olhar da Medusa que nos petrifica, nos horroriza em olharmos para dentro e vermos em nós, seres supostamente bondosos, divinos, espelho da criação, como o verdadeiro demônio. Demônio no budismo não é um ser mau como imaginamos no ocidente. É antes, um estado sofredor, atormentado, desequilibrado em suas ganâncias, ignorâncias e iras. Lembra dos Três Venenos Mentais os quais já me referi anteriormente?

TRANSFORMAR A MENTE, CONTROLAR, DOMINAR, SER SENHOR DE SUA PRÓPRIA MENTE É O COMEÇO DE UMA CULTURA DE PAZ.

Estar em equilíbrio, o estado de contentamento, desfocar a energia mental dos desejos irrefreáveis. Os caminhos religiosos, sejam eles quais forem, propõem essa transformação dos estados mentais. Apenas as religiões não chamam assim. Alteramos nossos estados mentais por meio das divindades, da moral, do controle dos pecados, e por aí vai.

Quando Sidarta Gautama desperta em seu 49° dia de meditação de baixo de uma figueira, ele percebe de imediato que não há nenhum demônio fora dele mesmo, não há nada fora que o venha tentar. Todas as malignidade advém de sua própria mente. Quer um bom filme para conhecer a vida de Sidarta, assista o Pequeno Buda, de Bernardo Bertolucci, o Buda é protagonizado por Keanu Reeves. Nossas tentações, nossos impulsos gerados pelos desejos gerados pelas percepções, sensações, formas, mente e consciência. Assim funcionamos na ótica budista. E quando partimos para os desejos não satisfeitos, isso se expressa da mente para o exterior em forma de ira, raiva, ódio, intolerância, como crianças birrentas em um shopping. E disso ampliamos para os atos. Agora, imagina um grupo enorme de homens pensando da mesma forma concluindo a uma ação chamada guerra.

Talvez o nobre leitor, leitora, pense, mas os japoneses sofreram seus próprios karmas? Dizer sim seria um julgamento leviano. Precisamos aprofundar essa reflexão.

NÓS GERAMOS KARMA E SOFREMOS KARMA A TODO INSTANTE NAS TRÊS ESFERAS: PENSAMENTO, FALA E AÇÃO.

Falar mal de alguém gera karma, falar coisas bonitas também, ambas tem consequências! Fazer um bolo gera karma de alegria de uma criança, mas também da celulite e do colesterol! Karma não significa culpa, nem pecado muito menos destino. Significa ação, pura e simplesmente. Sabe lei de Causa e Efeito? O que precisa para que o karma ocorra é a volição, a intenção, além de condições propícias. Quando geramos karma, ele altera diretamente a minha vida e indiretamente a vida alheia.

Vejamos uma reportagem na televisão sobre um homicídio. Até você saber deste homicídio seu estado mental era um, talvez de uma tranquila manhã de sol, sem muitas preocupações. Ao assistir à reportagem este estado foi alterado, em um impacto inicial de choque seguido de um novo tijolinho de indignação do desequilíbrio social e econômico que levou o sujeito a fazer tal crueldade. O ato corrupto de muitos políticos gera karmas gravíssimos a toda sociedade. Perceba o peso das nossas ações como reverberam direta ou indiretamente.

Mas voltemos às bombas de Hiroshima e Nagasaki. O acionamento do botão que lançou a bomba foi o agente kármico que ceifou milhares de pessoas. O piloto militar estava ciente disso, ele precisava apertar o botão. Os engenheiros que desenharam e construíram a bomba também, mas certamente jamais imaginaria o resultado absurdo, diferente dos frontes tradicionais de guerra. A desgraça foi tão impactante que nunca mais houve uma guerra com armas nucleares. Todos ficaram paralisados com tamanha barbaridade.

KARMAS SÃO INTERDEPENDENTES, TODOS NÓS NOS AFETAMOS, E SÃO TRANSITÓRIOS, AINDA QUE NUM CURTO OU LONGO ESPAÇO DE TEMPO.

Como criar uma cultura de paz não há fórmulas mágicas, nem amuletos, nem preces, todos estes servem apenas para que nossos estados mentais se alterem e sejamos nós mesmos a cultura de paz inicial. Eu entendo ser simples, complexo e desafiador, bastando criarmos primeiramente uma cultura de paz em nós mesmos. “Estar em paz com”, esta é a frase que eu deixo ao nobre leitor, leitora, a exercitar diariamente.

Estou em paz com meu trabalho, amor, amigos?

Estou em paz com meus desejos, meus apegos, sobretudo nessa sociedade consumista desenfreada ditando como você deve se comportar para ser feliz desejando, comprando, desejando, comprando?

Estar em paz com. Pergunte isso a cada dia. Criemos nossa micro cultura de paz, para que ela reverbere num pequeno coletivo, e depois num maior. Entretanto, sou um tanto cético na paz mundial completa. Seres humanos a todo instante estão fazendo nascer e morrer em suas mentes os seus demônios. O problema é encontrar a data certa onde todos nascem e morrem. Quando todos eles morrerem, ai teremos paz mundial. Até lá, apenas podemos tentar. E tentemos sempre, é necessário para que cenários como Hiroshima e Nagasaki nunca mais se repitam.

Por si mesmo o mal é feito,

Por si mesmo se é contaminado,

Por si mesmo nenhum mal é feito,

Por si mesmo se é purificado.

Ambas, impureza e pureza dependem de si mesmo.

Ninguém é purificado por outro.

Dhammapada, 165


Gassho

Rev. Jean Tetsuji釋哲慈
Instagram @jeantetsuji @budismo_lgbt

Siga no instagram @coletivo_indra


Templo Nambei Honganji Brasil Betsuin
www.amida.org.br