Pra quê serve a Poesia?

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A Gaby ao me convidar para escrever uma coluna como convidado me perguntou: Qual a função da poesia hoje?

Bem….

A democracia tem em seu princípio a palavra como instrumento de mediação das relações, dos conflitos, dos acordos, dos entendimentos necessários para que a ideia e os ideais de civilização possam se sustentar. Fomos levados de modo gradual, quase sem que percebêssemos, a uma incapacidade de simbolização.

Como isso é feito?

Atacando valores inscritos nas artes e ao redor delas, do sensível, do interpretativo, das exigências do sentir e do pensar por si só, de modo amplo e não escravo. Vemos tudo sendo lido na literalidade, o binarismo imperando, então a poesia entra. Insubordinada, a poesia entra. Nunca amansando. Ao contrário, chacoalhando. Não admitindo a normose. Inflamando mais, explodindo a mediocridade das coisas dadas de modo óbvio e confortável. Exigindo outra posição do corpo no mundo, porque exigindo outro modo de uso da linguagem.

Lembra do poema do Paul Auster?

“O mundo está em minha cabeça. Meu corpo está no mundo.”

A poesia entra selvagem. A poesia não se deixa capturar pela moral eleitoreira dos hipócritas, pelas verdades únicas, pelo pensamento unívoco. Isto é poesia e isto também é política. Há a manutenção de certa prática civilizatória, de combate a barbárie. “Onde não há civilização, graça a barbárie”, disse o Freud.

É a luta constante para se manter o espírito livre, porém dentro de uma noção de estado democrático de direito, com limites, com códigos, com a construção simbólica de uma série de acordos que dão sustentação para a vida em sociedade. A poesia é força libertadora, é um superpoder capaz de confrontar monstruosidades e ajudar com que encaremos de frente a crise cultural, moral, espiritual e, especialmente, ética que se apresenta.

na Cidade do Século XXI

a voz poli-policial

se espraiava como um sangrado jorro

dos áudios cúmplices de não escutar

houve pontuada nostalgia de escudo naquele verão do ano

a deglutição do ar era o comum fenômeno de comer ansiedade

era mimimi sim

e era mimime

e era mímime (não mímeses) porém com a atmosfera de

um antes-terremoto e um depois-tsunami  

ele lacrimejava peçonhentos com coriza

corizava delírios de ditador colérico

e lacrimejantava adulando futebóis

aliás

de tão abilolado se elegeu presidente


bastante cansado

pulmonando o céu bélico dessa época

patinando no lago congelado das aparências

no meio disso, não sei por qual motivo, você me emociona

não é que seja uma aula de paz 

ao contrário, todas as noites esses lobos mordem as suas coxas

enquanto bato a cabeça nos esconderijos da insônia

nossa façanha é uma marcha lenta

pergunto se você fala minha língua

não, mas consigo te escalar pra dentro e pra fora da respiração


você também pode fazer o poema palpável

sonoro em vez de mudo

cheio de trepidações

esse fogo-fátuo chamado afeto

esse fato

se derretendo no tempo

concreto

se adaptando

desadaptando

almejando ser livre como as vanguardas jamais puderam

soberba das poesia

exigir o alvará de soltura

criar nas entrelinhas o manifesto para não ser lido

o livro almanaque do grau zero da previsibilidade do poema

você também pode regurgitar ídolos precários

tenho paixão

tenho pudor

nenhum espaço para o adivinho

mas também

cooperar

se ajustar aos padrões da corporação

desincorporar

maquiando gente morta

insultar o áugure velho decrépito caduco

ruína

chorar com jactância para fora da boca

atirar ácido ao lirismo amoroso

balão de ânsia mais purpurina

está fundado o darlingnismo  

uma perna ainda metida em areia movediça

você também pode morrer matar

num acontecimento sem carícia

empreender um freak show

dar joelhada na orelha do futuro

subir para se bronzear

nas torres paradigmáticas se desmanchando

Luiz Felipe Leprevost

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Luiz Felipe Leprevost é ator, escritor e também desenvolve trabalho na área musical. Escreveu e publicou:

Alguns livros do autor

Romances - “Dias Nublados” (Arte & Letra, 2015) e e “Se contorce igual a um dragãozinho ferido” (Arte & Letra, 2011),

Contos - “Inverno Dentro dos Tímpanos” (Kafka Edições, 2008), “Barras antipânico e barrinha de cereal” (Editora Medusa, 2009), “Manual de putz sem pesares” (Editora Medusa, 2011) e “Salvar os pássaros” (Encrenca, 2013)

Poesia - “Ode mundana” (Editora Medusa, 2006) e “Tudo urge no meus estar tranquilo” (Encrenca, 2017).

Peças de Teatro - “Hieronymus nas masmorras”, “O Butô do Mick Jagger”, “Na verdade não era e Pecinhas para uma tecnologia do afeto”.