Quando o assunto é amor: O que mais vale, aliança ou confluência?

Zafri

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Aliança é um símbolo da união entre duas pessoas adultas que sintetiza o contrato jurídico do casamento. A palavra latina alligare que significa união ou relação de proximidade, tem o seu sentido bem elaborado nas relações macropolíticas.

Por exemplo, um determinado partido político pode fazer aliança com outros dois partidos numa eleição municipal e, quatro anos depois, serem rivais.

Antônio Bispo dos Santos explica bem o conceito de aliança com uma história. Eu vou fazer uma versão para ilustrar: imagine que uma onça-pintada, uma sucuri-amarela e uma anta precisam atravessar um rio, mas só existe uma canoa para as três.

Elas fazem um acordo, durante a travessia nada de ataques. Mas, na outra margem do rio, o pacto de paz estará desfeito e os instintos podem ser liberados.

“Aliança é conjuntural”, nos diz Nego Bispo.  Por isso, a aliança, em se tratando de amor, é um risco. A fantasia amorosa corre o risco de atropelar a realidade do relacionamento.

Nego Bispo nos fala de outra palavra germinante para implementar políticas de bem-estar, confluência. Aqui, pretendo defender uma hipótese simples: confluência é mais adequado para um encontro amoroso do que a aliança.

A confluência, nas palavras de Nego Bispo, é estrutural. Para amar é necessário confluir, isto é, um encontro em que dois ou mais seres fazem o curso em companhia sem que isso seja uma estratégia para obter um ganho individual.

Por exemplo, dois rios próximos que estão secando, encontram-se e formam, juntos, um novo curso mais caudaloso.

A confluência é um caminho possível para a vida amorosa. Primeiro, porque confluir diz respeito ao encontro e à capacidade de fazer em companhia sem calcular o que ganha ou o que perde.

Não se trata mais de uma disputa, ou ainda, daquilo que Michel Foucault denominou da guerra como modelo analítico das relações de poder. 

Na vida amorosa, o conceito de “conquista” é um exemplo desse caráter estruturado pelo horizonte das disputas.

As alianças cabem na vida política porque parâmetros ocidentais, marcados pela ânsia de colonização expedida pelo projeto da modernidade, se organizam como se a vida fosse um estado permanente de guerra.

A confluência não parte da guerra como matriz das suas relações com o mundo. Confluir está na perspectiva do encontro, onde os conflitos se resolvem sem uma régua de medida.

Nego Bispo não cansa de dizer: “–Mãe Joana ensinou que: ‘tudo que se mede é pouco’”. Se a aliança pode medir os bens que temos e os que virão, criando padrões como comunhão parcial de bens.

No confluir não é possível medir, porque se trata menos do que temos, nem tanto do que somos, mas, principalmente do que podemos fazer enquanto estamos juntos.

O conceito de confluência informa que amar é muito mais se juntar para viver do que viver para juntar coisas. A aliança forma uma sociedade jurídica que contabiliza os bens que se constroem durante o convívio.

O que não é trivial. Mas, a diferença é que confluir convida para algo mais simples, encantar-se com a realidade das coisas que não podemos juntar e nem acumular. Confluir implica numa confiança em que os segredos se transformam em intimidade. Enquanto, numa aliança, um segredo pode ser uma arma poderosa que será usada nos tribunais para dividir tudo que foi conquistado durante alguns anos de casamento.

Nós sabemos que conselhos não funcionam, mas, não custa tentar: ao invés de se ajoelhar e pedir a mão da pessoa amada oferecendo uma aliança, existe uma opção bem mais interessante.

Basta envolver quem você ama num abraço e fazer o percurso que for possível como se fossem um rio.

Não é o caso de dar ou receber uma aliança. Porém, de compartilhar aquele precioso tesouro que não cabe no cofre do quarto, o nosso tempo.

 Renato Noguera

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Renato Noguera : Doutor em Filosofia, Professor da UFRRJ, ensaísta, roteirista e dramaturgo.