Sobre aquelas pessoas que resistiram antes de nós
Na semana passada eu participei de um evento sobre Diversidade, em certo momento surgiu o assunto sobre o envelhecimento e a população LGBT+ , um local de esquecimento e que merece um pouco mais da nossa atenção.
A primeira coisa que eu penso sobre isso é o próprio significado do envelhecer sendo LGBT+ vivendo por aqui. Para a população trans então, estamos falando literalmente em pessoas que estão “contrariando as estatísticas” e estão (r)existindo de verdade!
Quando a gente começa e tenta aprofundar mais academicamente sobre o assunto, a coisa começa a dificultar – o que a gente primeiro identifica nos estudos que existem sobre o envelhecimento é, mais uma vez (sem qualquer novidade por aqui), uma lógica heteronormativa - ocorre um apagamento da própria sexualidade e qualquer prática dissidente da considerada cis-heterossexual hegemônica.
Mais do que isso, a gerontologia social historicamente se destinou a estudar idosos homens, heterossexuais, brancos, de altas classes sociais, gerando a imagem de “velho universal”, o que está distante das complexidades experienciadas por velhos bi, gays, lésbicas, transexuais, travestis, etc.
Os estudos que se prestam a focar no envelhecimento das pessoas LGBT+ frequentemente se baseiam nas vulnerabilidades e violências decorrentes da discriminação sofrida ao longo da vida e também na solidão.
Não é novidade para ninguém os graves problemas que vivenciamos no campo familiar – isso traz muita solidão ou faz com que criemos arranjos alternativos de “família”. É assim que os vínculos de amizade vão se posicionando no lugar tradicionalmente destinado à família, surgindo um ciclo fraternal e de apoio na velhice.
Pessoas idosas são vulnerabilizadas mesmo tendo família. Imaginem pessoas idosas LGBT+ que em grande parte vivem sozinhas?
Também pensemos na solidão da velhice LGBT+ que está institucionalizada – pessoas idosas que vivem em “casas de repouso” – que são excluídas e discriminadas pelas outras pessoas que lá também moram. Isso inclusive causa um movimento de “volta para o armário” para que se sintam respeitadas e pertencentes àquele lugar.
Em uma pesquisa da Universidade da Califórnia foi identificado que 57% dos homens gays com mais de 45 anos são solteiros, entre as lésbicas o percentual é de 39%. Na pesquisa, 60% das pessoas idosas homossexuais sofrem pela falta de companhia.
Apesar disso, com a reestruturação jurídica a respeito da família LGBT+, as pessoas estão se casando, adotando, gerando, e trabalhando para sua aceitação familiar e social.
Outro fator de vulnerabilidade é a ausência de representatividade em relação a pessoas idosas LGBT+, o que faz com que o assunto seja silenciado, provocando grande marginalização dessa gente em todas as áreas, como na área da saúde e mais especificamente saúde sexual.
Mais do que isso, as pessoas LGBT+ são rejeitadas no mercado de trabalho, são distanciadas de suas famílias, causando a omissão quanto a sua identidade de gênero e orientação sexual, principalmente na busca de acolhimento em instituições.
Com isso fica a reflexão: a sexualidade, qualquer que seja a sua experiência, permanece na velhice, sendo ela fundamental para a manutenção da qualidade de vida de todo mundo. As experiências, sexualidade e identidades estão para além da dualidade de gênero e da formulação heteronormativa da sociedade.
A gente precisa falar sobre isso! A gente precisa cuidar daquelas pessoas que resistiram antes de nós!
Fernanda Darcie
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CHOI, Soon Kyu; Meyer, Ilan H. (2016). LGBT Aging: A Review of Research Findings, Needs, and Policy Implications. Los Angeles: The Williams Institute, Agosto, 2016.
HENNING, Carlos Eduardo. Gerontologia LGBT: velhice, gênero, sexualidade e a constituição dos “idosos LGBT”. Horizontes Antropológicos, Ed. 47, p. 283-323, 2017.
Para aprofundamento no assunto, indico o trabalho da Associação Eternamente SOU - https://eternamentesou.org/