SONHAR NÃO CUSTA NADA

renato 1.jpg

Em 1992, Paulinho Mocidade compôs um samba enredo chamado Sonhar Não Custa Nada.

Mesmo sem ter levado o título do ano, o samba virou uma espécie de hino da escola. Os mais antigos, como eu, certamente lembram do refrão cantado por mais de uma hora, durante a apresentação da escola.

Anos depois, no outro hemisfério, o compositor inglês Max Richter compôs o que pode, até então, ser considerada a obra-prima da sua carreira: uma sinfonia chamada Sleep, com 8 horas de duração.

Uma espécie de longa música de ninar que vem sendo apresentada, ao vivo, para um público de algumas centenas de pessoas, deitadas confortavelmente, lado a lado.

farias.jpg

Conheci essa obra através de um documentário do mesmo nome, dirigido por Nathalie Johns, que tem como pano de fundo uma apresentação em 2015, ao ar livre, no Grand Park de Los Angeles. Uma belíssima lua cheia acompanha músicos e plateia durante uma madrugada inteira até o raiar do novo dia.

A música de Max foi composta em um padrão semelhante aos movimentos cerebrais durante o nosso sono. Tem, ao longo de suas 8 horas de duração, um movimento similar ao adormecer, dormir, sonhar e despertar. Costumamos pensar que, se alguém dorme durante uma apresentação artística alguma coisa está errada. Max subverte essa percepção e, ao contrário, estimula o sono de seus espectadores.

Os depoimentos de quem assistiu (experienciou) o concerto são belíssimos e vão além da qualidade musical. O protagonismo está na experiência e suscita reflexões existenciais, filosóficas e, por que não, espirituais. Nos faz pensar sobre a velocidade com que consumimos a vida. Sleep põe em questão, inclusive, o uso do verbo consumir, que acabamos utilizando para tudo, até mesmo para o que deveria estar no âmbito do prazer e da experiência que é a nossa relação com as obras de arte. E propõe, sobretudo, desacelerar.

O sono e o sonho são vida pulsante e podem enriquecer muito nossa subjetividade. Se em vez de destruir as culturas indígenas, tivéssemos buscado aprender com elas, saberíamos disso desde a invasão europeia em 1500.

Claro que já tivemos Freud, Jung e muitos outros pensadores que se debruçaram sobre as possibilidades de dialogarmos com nossos próprios sonhos. Mas ainda estamos imersos em uma cultura que, ao mesmo tempo em que nega a possibilidade de um sono saudável para a imensa maioria das pessoas, subestima o valor do sonho para o nosso auto conhecimento.

E em um mundo cada vez mais capitalista, talvez a maior subversão seja o que nos canta Paulinho Mocidade. Sonhar, além de ser um ato com alto potencial revolucionário, não custa nada!

Renato Farias

Instagram @fariasre

Siga no instagram @coletivo_indra