Trazido da África?

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No dia 19 de novembro João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte em um estabelecimento do Carrefour, em Porto Alegre. Um dia após a morte de João Alberto, no dia do Consciência Negra, o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, diz que o racismo não existe no país e que é uma “coisa que querem importar para o Brasil”.

Essa fala não é unicamente do vice-presidente.

É compartilhada por diversos outros representantes, inacessíveis na maioria das vezes, mas também por pessoas, algumas que convivem conosco e que, portanto, são mais acessíveis. Para essas pessoas é que direciono essa coluna. Muitas vezes esses pensamentos de que o racismo não existe são justificados pela nossa falta de percepção. Esse exercício de percepção tem que ser visto como um ato de coragem. Coragem para perceber, de fato, que o racismo, por mais que seja abominável para nós, está enraizado. Em mim. E em você.

Em 2017 eu fui à África do Sul. Encontrei uma amiga em Johanesburgo. Ela conhecia um motorista e fizemos todos os percursos com este senhor, que era preto. Em uma das primeiras conversas ele me perguntou se existia racismo no Brasil. Imediatamente eu minimizei o racismo existente. Eu disse que existia, mas que ele não era tão homogêneo, não era em todos as regiões do país.  Minha amiga deu um pulo: como não? Rebateu. Foi aí que eu acordei. Conversamos bastante sobre situações que corriqueiramente acontecem e eu, finalmente, me dei conta. Gente, foi em 2017. Ou seja, ontem. Foi neste momento que eu percebi que eu mesma negava a existência e mascarava o racismo com brincadeiras. E isso eu vejo muita gente fazer hoje.    

A melhor estratégia para o combate ao racismo é assumirmos que ele existe.

Ele existe inclusive dentro de nós. Mas este racismo que trago não é aquele que se expõe com agressividade. Ele aparece sutilmente, quase imperceptível para quem não sofre. Mais uma vez: para quem não sofre. Vou dar um exemplo.

Meu aluno, preto, me disse uma vez que em todas as festas em que ele vai, sem exceção, alguém pergunta se ele tem drogas. Ele não fuma e nem bebe. Mas alguém chega na roda dele, normalmente composta por 99% de brancos, e pergunta diretamente a ele, normalmente o único preto, se ELE tem drogas. Isso pode parecer inofensivo para quem pergunta. Mas não é. Por que a pessoa que perguntou achou que ele tivesse e não o branco que estava ao lado dele? Possivelmente essa pessoa pensa que ele tem drogas devido a cor da sua pele. E isso, por ser tão enraizado, torna-se muitas vezes inconsciente. Mas para quem é perguntado, consciente ou não, é uma ofensa. 

Outro exemplo: estávamos eu e uma querida amiga conversando. Ela me disse que tinha uma pessoa no trabalho dela super conceituada, bem relacionada e extremamente eficiente. Elas nunca tinham se visto, pois trabalhavam em áreas diferentes, e somente tratavam dos assuntos via telefone e email. Até que um dia, para resolver um assunto em comum, ela foi até a sala desta pessoa. Disse-me que tomou um susto ao finalmente conhece-la, porque esta era preta. A imagem gerada na sua cabeça era de uma branca e não de uma preta. Entendem como está enraizado? Automaticamente, ela se deu conta. Essa é a lição.

Eu peço, encarecidamente, que nós, brancos ou pardos de coloração clara, entendamos o nosso privilégio, façamos uma autoavaliação e que percebamos, o racismo, que mesmo inconsciente, está presente em algumas de nossas atitudes.

Trago ainda, para aqueles que não acreditam no racismo do Brasil, dados epidemiológicos sobre mortalidade por agressão considerando a variável raça/cor. De acordo com a pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua (PNAD) realizada pelo IBGE (2012 a 2019), o Brasil tem sua população constituída pela cor/raça: branca (42,7%), preta (9,4%), parda (46,8%) e indígenas (1,1%). Quando comparadas as raças, percebe-se que o número de brancos é 4,5 vezes maior do que o número de pretos. Ao realizar uma avaliação rápida das mortes por agressão, utilizando o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) no período de 2012 a 2018, foram notificados 97.012 óbitos em brancos, 261.512 óbitos em pardos, 32.648 em pretos no Brasil. Olhando somente em números absolutos, o número de óbitos em brancos foi 3 vezes maior do que o número de óbitos na população preta. Entretanto, para que a comparação seja real, temos que considerar o tamanho da população. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), escancaram a realidade:

a cada três assassinados dois são negros. 

Abraço a todos,

Rafaella Albuquerque

Instagram @rafaas28

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, homem negro espancado até a morte em um supermercado de Porto Alegre