Coletivo Indra

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Vamos falar sobre stalking?

Aproveitando que ainda estamos em março, aquele mês que fazemos diversas reflexões sobre os direitos e desafios das mulheres, eu queria aproveitar o meu espaço de hoje para continuar aquela reflexão que começamos há duas semanas a respeito da violência de gênero.

No texto anterior a gente conversou um pouco sobre o feminicídio, que pode ser considerada a mais grave forma de violência contra as mulheres. Tirar ou tentar tirar a vida de uma pessoa, por sua condição de gênero, sem dúvida mostra a hediondez desse ato. Acontece que as agressões e violências anteriores a esse ato devem ser encaradas com a mesma perplexidade e seriedade.

Mais especificamente, o que eu queria falar hoje é de uma forma quase invisível de agressão, a violência psicológica, que além de deixar marcas, leva muita mulher para um buraco sem fundo de angustia, medo e desespero. Na verdade, a gente pode identificar consequências até mais opressoras do que as causadas por condutas físicas e externas.

A violência psicológica é ampla e podemos identificar em diversos atos do cotidiano de um relacionamento.

Mas a minha reflexão de hoje é sobre uma prática que vem crescendo, inclusive durante a pandemia -

vamos falar sobre Stalking?

Pra começar esse papo, para quem ainda não se familiarizou com esse termo, eu adianto que ele tem sua origem no inglês, significando “perseguir”, e a gente usa essa palavra para identificar os atos de pessoas que perseguem e invadem a privacidade de outras.

O Stalking pode acontecer de diversas formas diferentes, mas o que pode ajudar a identificar se ele está acontecendo é o fato de ele não ser um ato isolado – as atitudes do Stalker são repetidas e frequentes:

- Seguir alguém em seus trajetos entre casa, trabalho, estudo etc.;

- Tentar contatar alguém insistentemente, sem a sua vontade, por meio de ligações, mensagens, e-mails etc.;

- Enviar presentes indesejados para a casa ou trabalho dessa pessoa;

- Fazer “plantão” em locais como a saída de seu trabalho e sua residência, na esperança de encontrar com ela.

Essas são algumas das situações mais comuns que a gente pode trazer para ilustrar, mas não para por aí!

Não são raros casos em que o Stalker chega a viajar para outro estado ou país para encontrar a pessoa ou simplesmente estar próximo dela; também são conhecidos casos de Stalkers que, mentindo sobre a sua identidade, entram em contato com sua vítima como potencial cliente ou então apresentando uma potencial vaga de emprego, tentando fisga-la para uma armadilha.

Essas situações ilustram aquela perseguição que acontece presencialmente. Acontece que em tempos de quarentena e isolamento social, onde as relações virtuais se intensificam, a modalidade de Cyberstalking passou a ter maior visibilidade e também a ser mais praticada.

O Cyberstalking é aquela mesma prática de importunação e perseguição, mas realizada pela internet, seja através de redes sociais, e-mails, chats, convites, comentários – sempre de forma insistente e reiterada.

O mais comum nesses casos é que os Stalkers não revelem sua verdadeira identidade, e com isso eles se escondem atrás das telas e se sentem mais encorajados ainda a continuar a sua saga contra suas vítimas.

É obvio que o Stalking não restringe o gênero e a orientação sexual de agressor e sua vítima, mas não é difícil de percebermos que as mulheres são encontradas com mais frequência no lugar da vítima.

A organização sem fins lucrativos SaferNet, através de seu canal de recebimento de denúncias de crimes virtuais, indica que 66% das vítimas de crimes cibernéticos são mulheres. E mais do que isso, especificamente em relação ao cyberstalking, elas são 70% do total de vítimas. Além disso, uma a cada seis mulheres já foram vitimas de perseguição.  

De acordo com a pesquisa Stalking Resource Center, 76% das vítimas de feminicídio foram perseguidas (ou seja, vítimas de Stalking), e 54% delas chegou a avisar a polícia que estavam sendo stalkeadas antes de serem vítimas de feminicídio.

O que a gente pode perceber ao ter contato com alguns casos reais em que o Stalking acontece, é o traço machista do sentimento de pertencimento da mulher vítima ao seu agressor homem.

As mulheres vítimas são mais uma vez reduzidas a um objeto de adoração e desejo dos agressores.

Sua vontade não é considerada. Sua negativa não é considerada. Sua liberdade não é considerada. Sua autonomia não é considerada – o Stalker não considera e sequer entende que a sua vítima é uma pessoa com autonomia para “não o querer” de volta.

“Isso demonstra o quão cruéis e misóginos são esses atos!”

Voltando para o ambiente virtual do Cyberstalking, a gente também consegue perceber que esse aparente anonimato instiga os agressores e os estimula a ingressar nessa empreitada, através da criação de perfis e logins falsos – aparentemente a vítima não teria como saber quem ele é...

“É mais uma grave faceta da violência de gênero e misoginia.”

Falando sobre violência doméstica, vemos com frequência a continuidade de investidas e perseguição após o final de um relacionamento amoroso, em que com mais frequência o homem não concorda e tem dificuldade em se conformar com o término, e enxergando a sua ex companheira como sua propriedade, não a deixa seguir sua vida sozinha.

Além desse contexto, também é muito comum que o Stalking aconteça entre pessoas que são apenas conhecidas – aqui o Stalker pode ser uma pessoa que se apaixona pela sua vítima e passa a ter grande dificuldade em entender que não é correspondido. Interessante que quando isso acontece, mesmo a vítima não possuindo qualquer laço com o Stalker, este age socialmente como se eles de fato tivessem um relacionamento amoroso, chegando a apresentar fotografias e a falar da vítima como se fosse sua companheira de verdade.

O fato é que esses agressores interiorizam essa relação de afeto inexistente, e por isso assumem uma postura possessiva e de pertencimento.

Stalking ainda não é um crime tipificado no nosso país. Se isso gera maior sentimento de liberdade e legalidade aos agressores não sabemos... na verdade, me questiono se criminalizar condutas reduz realmente a violência e se isso surte efeitos reais.

Mesmo assim, foi noticiada a aprovação de um Projeto de Lei que criminaliza o Stalking, aguardando apenas a sanção do Presidente para passar a ter validade (PL 1.369/2019).

Sendo crime ou não, tendo pena ou não, é certo que a misoginia continua regendo a vida das pessoas e vitimando mais e mais mulheres, das formas mais tradicionais às maneiras mais tecnológicas.

“O medo, o trauma, o dano psicológico permanecem.”

“A violência de gênero não acontece somente em março! Ela deve ser discutida e combatida TODOS os dias!”

Fernanda Darcie

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