É simples?
Existem diversas ferramentas que os profissionais das equipes de estratégia da saúde da família utilizam para entender a dinâmica do paciente, da família e da comunidade na qual ele está inserido.
Em colunas passadas eu trouxe um pouco sobre o genograma (utilizei até o seriado “This is us” para exemplificar). Hoje, gostaria de aborda uma ferramenta que utilizamos, denominada ciclo de vida.
É uma ferramenta fácil de entender porque todos nós passamos (ou queremos passar) pelos estágios do ciclo da nossa vida. Dizem que quando nasce uma criança, nasce também uma mãe, um pai, uma tia, uma avó.
Iniciamos a nossa vida assoberbando a vida dos nossos. Não há mais tempo para dormir, comer ou sair.
A vida dos nossos pais gira em torno das nossas necessidades, uma vez que somos totalmente dependentes. Mas, à medida que o tempo passa, começamos a dormir a noite inteira. Alimentos sólidos são inseridos na nossa rotina e começamos, bem devagar, a adquirir uma certa “autonomia” (ou pelo menos o trabalho pode ser melhor dividido entre os pais).
Na infância, espera-se que sejamos desafiados pelos patógenos existentes no ambiente, principalmente quando entramos na creche/escola. Viroses e parasitoses são comuns dentro deste estágio da vida, primeiro devido a nossa falta de noção de higiene e segundo pelo contato que teremos com outras crianças.
Então, esperamos que estas infecções ocorram. É importante para nós adquirirmos imunidade e é importante para os nossos pais. Depositamos toda a nossa confiança, consciente ou inconsciente, neles. Queremos dormir com eles. Queremos passar todo o nosso tempo com eles. Eles são a nossa melhor companhia. Eles são os nossos heróis.
Mas esse tempo passa. Viramos “pré-adolescentes”. E instintivamente sentimos a enorme necessidade de rompermos emocionalmente com eles. Não queremos mais que eles nos deixem na porta do colégio. E se deixarem, jamais queremos dar um beijo.
Não queremos que eles nos acompanhem durante um passeio. Circo não nos interessa mais. E cinema é mais divertido com os nossos amigos. Somos um poço de hormônios. Ora queremos dormir horas a fio; ora queremos sair como se não houvesse amanhã.
Os pais, super protetores, precisarão permitir que possamos experenciar a vida. Faz parte do crescimento. Não poderão mais nos proteger de todo e qualquer mal.
Vamos ter que, devagar, aprender a dosar a nossa ansiedade, nossos rompantes, nossas emoções.
Nesse período, adolescência/recém adultos, talvez cometamos mais infrações. Nos achamos invencíveis. Assumimos um ar de maturidade. Somos. Podemos. O mundo é nosso. Assumimos riscos. Somos um pouco irresponsáveis com a nossa vida. Nada tem muito problema. Não temos medo. Por tudo isso, temos um risco maior de assumir hábitos e comportamentos que podem impactar negativamente na nossa vida, atual e futura.
Depois dessa fase, resolvemos morar sozinhos. Sim, sim, sair da casa dos pais. Imaginemos que casamos. Teremos que ajustar as tarefas domésticas (minimamente) e dividi-las igualmente entre os pares. E imaginem que isso leva tempo.
Quando finalmente conseguimos encontrar o equilíbrio na nossa relação com o nosso parceiro/parceira, recebemos a noticias de que seremos pais! Ieeeei!!!
Tudo volta a estaca zero, pois a nossa dinâmica de vida vai mudar novamente. Temos que nos ajustar. Com a chegada do filho, queremos ter mais dinheiro, para prover uma vida e um futuro melhor para ele. Neste período corremos um risco maior de aumentar o ritmo de vida, com predisposição para a desenvolvimento ansiedade, obesidade e sedentarismo.
É muito para lidar né? Casa, filhos, trabalho!
Nosso filho vai crescendo, passamos pelos mesmos perrengues que os nossos pais. Temos que lidar com o rompimento emocional dos nossos filhos. Pela primeira vez talvez, entendemos os nossos pais. Nossos filhos saem de casa. Ficamos só nós.
Nossos filhos vão morar longe, os criamos para o mundo! Queremos o melhor para eles! As visitas então ficam mais esporádicas. Os almoços de domingo mais espaçados. Nos aposentamos. Temos que nos reajustar porque os proventos ficaram menores.
Vamos envelhecendo. Agora estamos mais lentos, física e intelectualmente. Depois você parte. Eu fico. Forte ainda, mas sozinha. De fato, nesta idade, temos a predisposição maior de desenvolver doenças no campo emocional.
Vejam que eu citei algumas condições relacionadas a saúde em cada parte do ciclo de vida descrito ao longo do texto. Esse conhecimento nos permite, enquanto profissional de saúde, conhecer melhor o paciente, a ponto de entender a fase em que ele está passando e auxiliá-lo da melhor forma possível.
Mas quando nós estamos inseridos no contexto, às vezes não é tão simples assim.
Para cada mudança que temos na nossa vida, viramos uma “pessoa diferente”. Ou posso dizer que em uma vida temos diversas versões de nós mesmos? A real é que para cada versão nova, temos que nos despedir da versão anterior. E nem sempre isso é simples.
Nem para nós e nem para os nossos. Deixamos de ser a coisa linda do papai. Nossos pais deixam de ser os nossos heróis. E existe um luto que devemos nos permitir sofrer. Tudo bem ter medo. Tudo bem não saber o que fazer. Tudo bem sofrer junto. Tudo bem querer só desabafar. Tudo bem querer lidar com tudo de uma vez. E tudo bem não querer lidar com nada agora.
Desculpe por todas as vezes que eu não tive a sensibilidade de perceber.
Abraços,
Rafaella Albuquerque
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