Afrogamia parte 2: Orunmilá, geopsicologia e o amor

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“O que é o amor?”.

O debate sobre afrogamia não pode ser isolado de uma teoria do amor.

A afrogamia é um convite para que as pessoas vivam em intimidade consigo mesmas, compreendendo o modo como estão amando, ou ainda, se têm disponibilidade para aprender a amar em diversas condições e estados para que o relacionamento seja florido.

No artigo anterior, nós definimos que a afrogamia faz sentido numa cultura cosmofílica, na qual as pessoas convivem através do prisma da competição colaborativa. Sob este prisma, os conflitos são enfrentados em prol do bem-estar coletivo. E, a partir dessa perspectiva, convidamos para a reflexão sobre os afetos segundo a geopsicologia de Orunmilá, lembrando que afrogamia não é uma opção à monogamia, ou à poligamia, mas um conceito que pensa o ato de se relacionar a partir da prática da intimidade. 

Nós vamos lançar mão de uma breve apresentação da geopsicologia de Orunmilá, partindo de uma interpretação afroperspectivista de OduIfá, dos ensinamentos do sistema filosófico iorubá apresentado pelo filósofo Orunmilá. Denominamos a teoria dos sentidos e dos afetos de geopsicologia, a base para a compreensão das relações amorosas. 

Figura.1: Relação sentimental cosmofílica - elementos x sentidos Fonte: Autoria própria

Figura.1: Relação sentimental cosmofílica - elementos x sentidos Fonte: Autoria própria

A Água, o Ar, a Terra e o Fogo têm vários estados.

O amor pode ser expresso em várias condições afetivas.

Uma pessoa pode amar outra através de afetos de água, por exemplo. Quando o Amor se manifesta como Água, ele pode ser líquido, sólido ou gasoso em relação ao estado. No que diz respeito à temperatura, o Amor na condição de Água pode ser gelado, frio, morno, temperatura ambiente, quente e em vários graus diferentes. Vamos supor que num casal, uma das partes ame na condição afetiva do Fogo: chamas e labaredas que transformam um bosque em cinzas. Enquanto isso, a outra pessoa pode está expressando o seu amor na condição da Terra em que as condições do solo são de um terreno compacto – o que dificulta a circulação de micronutrientes afetivos. Esse encontro produz uma interação, uma combinação que no momento em que as duas partes amam nas condições de Fogo e Terra, o amor do casal está em estado catabólico, isto é, o sistema está em degradação. O amor do casal não floresce.

A geopsicologia é uma abordagem afroperspectivista que já foi apresentada de modo introdutório no livro Por que amamos: o que os mitos e a filosofia têm a dizer sobre o amor. Segue ilustração abaixo.

Figura.2: para compreendermos uma pessoa, precisamos determinar como lados esquerdo e direito, assim como partes frontal e adjunta são ocupadas pelos quatro elementos. Existem inúmeras combinações possíveis.

Figura.2: para compreendermos uma pessoa, precisamos determinar como lados esquerdo e direito, assim como partes frontal e adjunta são ocupadas pelos quatro elementos. Existem inúmeras combinações possíveis.

No sistema de Orunmilá, aqui também denominado de geopsicologia, podemos analisar como somos. A partir dessa primeira análise, um exercício de autointimidade.  Ora, autointimidade remete às lições da capoeira, especialmente de que podemos pensar, sentir e fazer num único gesto.

O autoconhecimento não necessariamente transforma a intenção em gesto, a distância entre saber e fazer pode permanecer.

No processo de autointimidade, o pensamento não pode estar desconectado da ação e nem dos nossos desejos e sentimentos. Afinal, nós podemos compreender melhor como sentimos, pensamos e agimos se estivermos em íntima conexão conosco. O que é indispensável para percepção e conexão com nossos modos mais frequentes de amar, base para que possamos fazer um bom arranjo com a pessoa amada.

Num contexto cosmofílico, natureza e cultura não estão em oposição. Daí, o mundo e seres vivos estarem em conexão, integram um mesmo ecossistema no qual a cultura é um elemento da natureza, assim como a natureza está articulada com a cultura de um território. O macrocosmo e microcosmo funcionam baseados nos mesmos princípios. A geopsicologia tem como objetivo compreender que o nosso psiquismo é configurado como os fenômenos naturais, a formação de raios e tempestades, abalos sísmicos, ventanias, calor e frio; altitudes, o processo do ar ficar mais rarefeito quanto mais distante do nível do mar.

O entendimento geopsicológico informa que algumas pessoas são quentes e pensam, desejam, sentem e agem como se fossem sol escaldante, alternando seus afetos de “calor carioca” com tempestades de verão que inundam cidades despreparadas. Nesse caso, estamos diante de uma pessoa que ama alternando afetos de Fogo (calor de sol tropical) e  de Água (chuvas de verão). Esse jeito de amar pode ser compatível com algumas pessoas, nunca com todas. O que só pode ser compreendido, caso a caso. Porque nesse caso, assim como em qualquer outro, a pessoa pode se organizar para viver outros estados afetivos de Fogo e Água, além de incluir  afetos de Terra e Ar. 

O exercício de compreender a natureza  de seus afetos passa pela análise dos quatro elementos, o que  podemos chamar de uma prática ou dispositivo da afrogamia. Essa prática é um convite para que a autointimidade seja o primeiro passo para compor a intimidade afetiva que pode fazer um relacionamento amoroso florescer.

Renato Noguera

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