Uma aspiração de fim de ano
É difícil pensar em escrever o último texto do ano e não ser contaminado por um sentimento de balanço de tudo o que passou em 2020. É difícil também não ser influenciado por inúmeras desejos e esperanças para o próximo ano. São essas sensações que me norteiam agora, mesmo que eu não pretenda me deter nem em uma coisa, nem na outra.
Quero apenas falar um pouco, sem compromisso e sem preocupações, nessa festa de final de ano.
Nós chegamos até aqui. Ao que me consta, ninguém vivo tinha passado, até então, pelo o que precisamos enfrentar – e ainda estamos enfrentando – e aprender a conviver com esse estado de coisas. Aliás, convivência é uma palavra que ganhou novos significados e formas de ser interpretada nesse ano, que trouxe infinitas maneiras de que a distância não nos impedisse de estarmos próximos.
Uma das grandes lições é essa: precisamos estar juntos, seja como for.
Não podemos sobreviver sem o contato humano e sem a proximidade com o outro. Proximidade que não necessariamente é física. Que também não depende de um tempo ou um lugar especial.
Há algo mais no encontro, na inter-relação humana que não se explica facilmente. Talvez seja esse algo a mais que nos leve a ignorar o cuidado e querer o abraço, a festa, a farra, a mão dada imediatamente, deixando a precaução de lado. Porque isso se realiza mais facilmente no contato físico, 2020 nos mostrou a necessidade de captar as sutilezas das coisas, de extrair do segundo o substrato inteiro de hora, para que pudéssemos nos manter firmes. E também foi cobrado um preço alto para quem tentou agir de modo contrário, seja objetiva ou subjetivamente. Fomos obrigados a tirar muito do pouco e grandes coisas das pequenas.
Por outro lado, decerto essa capacidade de olhar assim para o mundo, no detalhe e no sútil, tenha sido sempre necessária, mas aparentemente pouco éramos demandados se não tivéssemos isso em conta. Agora, elevou-se a potência e a importância disso que não pode ser ignorado. Assim como um vírus ficou gigante, nossos pormenores cresceram de tamanho e importância.
E não pudemos mais escapar daquilo que evitávamos, desse confronto com nós mesmos.
Se no nível individual fomos muito demandados, pouco me parece que isso tenha reverberado de maneira definitiva no nosso ser coletivo. Dados diversos não deixam mentir. Por que? Será que esperávamos muito? Ou é assim mesmo? Eu não tenho ferramentas para discutir de forma apropriada essa questão, salvo uma ou outra hipótese que pode não fazer sentido no fim. Mas me parece que a convivência, que reinventamos no virtual para os próximos, não foi modificada para o restante do mundo, especialmente o meio ambiente no qual estamos inseridos.
Não adianta acreditar que poderemos cuidar apenas do nosso próprio corpo e ignorar o nosso entorno. É urgente que tenhamos outra postura com o nosso planeta. Precisamos reconhecer que a nossa doença e a doença dele. E nós também sofremos quando as matas, os rios e os animais e o resto do povo sofrem. Talvez isso não tenha ficado claro para muita gente ainda, mas não somos uma entidade autônoma. Não sobreviveremos se não tivermos esse chão para pisarmos. E não dá pra esquecer que nesse chão estão todos. E é dessa terra que nos erguemos e dessas nuvens que nos alimentamos. E essa gente também sou eu. É por isso que acredito que não estaremos curados se essa transformação também não acontecer em nível coletivo. Precisamos capturar o detalhe fora de nós e agir em respeito a ele.
Nessa conversa, faço apenas esse desejo para o ano que entra. Não quero propor uma discussão ou apresentar essa ou aquela solução, apenas deixar uma aspiração, que também pode ser um norte a ser seguido.
Se 2020 nos obrigou a lidar melhor com nós mesmos, que em 2021 não nos esqueçamos de nos relacionar melhor com nosso entorno e nosso planeta. Que saibamos lidar com essa realidade viva.
Obrigado por ter chegado até aqui para que possamos seguir juntos.
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