A liberdade de novos inícios

obra de Beatriz Milhazes

obra de Beatriz Milhazes

Se tornou quase impossível não utilizar a palavra crise ao se referir a qualquer uma das instâncias que governam a nossa vida em sociedade:

“Política, capitalismo, representação, meio ambiente, saúde e etc..”

Especialmente no Brasil, vivemos uma crise econômica, agravada pela crise política e entre os poderes, tudo isso em meio a uma crise sanitária. Há, para além disso, a crise do sujeito que não encontra o seu lugar no mundo e busca meios de libertação, por vezes ilusórios ou inúteis.

O conflito, a tensão, se dão, portanto, tanto no aspecto objetivo quando no subjetivo, que se influenciam mutuamente.

Isso porque, por vezes algumas dessas estruturas parecem ter chegado ao limite de sua eficiência, ou seja, do motivo pelo qual foram estabelecidas ao longo do tempo, mesmo após as transformações pelas quais passaram durante a experiência humana.

Além disso, também é fundamental o combate de algumas de suas características que se tornaram intoleráveis, a despeito de sempre terem estado presentes no Estado.

Por exemplo, a necropolítica apresentada por Mbembe, que reconhece a existência de um racismo de estado que possibilita ditar quem pode viver e quem deve morrer, sendo aceito pelos instrumentos de biopoder que exista vidas matáveis.

Ou seja, o estado não limita a violência, mas cria zonas onde a morte é tolerada. Nesse sentido, o discurso de crise é por vezes instrumentalizado pelos estados de modo a permitir que a vida de determinados grupos seja retirada.

É essa política que se faz no plano objetivo afeta o novo ser e agir no mundo. O desequilíbrio do mundo exterior também passa a ser o nosso desequilíbrio.

A política de medo nos mata e adoece. Aliás, Jacques Rancière vai diferenciar os conceitos de política e polícia, estabelecendo a última como o “conjunto de processos pelos quais se operam

[...] A organização dos poderes, a distribuição dos lugares e funções e os sistemas de legitimação dessa distribuição”, de modo que aquilo que costumamos tratar como política é, na verdade, polícia, ante o seu caráter de controle, de definição do lugar que os corpos devem ocupar.

Por outro lado, para Rancière, a política estaria relacionada a eventos raros e efêmeros, que causam um dano nesse estado policial, quando é possível falar e ser escutado e que torna visíveis os invisíveis. Para ele, é a arte que vai possibilitar o fazer política no cotidiano, em pequenos espaços no qual a estética possibilita a criação de algo novo e de novos modos de sentir. Seriam despertadas novas subjetividades e formas de atuar no coletivo, tornando possível a emergência da política, ainda que passageira. O exemplo do movimento “Arte contra a barbárie” a respeito do qual nosso colunista Renato Farias escreveu ontem é um desses exemplos da política possível no cotidiano.

Dessa maneira, estando diante desse cenário cotidiano de crise, que destrói vidas e permite a morte de grupos determinados, é necessário buscarmos caminhos para a nossa libertação que permita a realização daquilo que acreditamos. Nós temos o potencial subjetivo de nos libertarmos e de criar novas comunidades para sermos a partir do esforço individual. Nós temos a capacidade de sermos livres: essa liberdade enquanto um fluxo continuo de ação que nos permita buscar por novos inícios.

 Arthur Spada

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