A monogamia pode ser revolucionária: parte 3

O que personagem Riobaldo de Grande sertão: veredas, obrade João Guimarães Rosa, disse o medo é muito interessante. Riobaldo disse que ninguém tinha direito de fazer medo em outra pessoa. Wilhem Reich, o ser humano estranha a si mesmo de modo que ficamos cheios de inibição e hostilidade. Nessa sociedade, a repressão é uma regra.

Thomas Hobbes popularizou a tese de que a nossa espécie pode ser definida pela ideia de que “o homem é o lobo do homem”. Ora, uma cultura do medo não é fértil para o amor. De acordo com Sobonfu Somé, o medo tem relação com ser uma pessoa solitária. Não quer dizer que a companhia acabe completamente com o medo; mas, estar em parceria com alguém cria condições incríveis para que possamos conhecer o nosso espírito e o de outras pessoas, isto é, frequentar a nossa humanidade.

O medo pode nos desumanizar muito, em estado constante de defesa não conseguimos dizer nada e tampouco escutar.

Uma vida em estado contínuo de tensão é a experiência radical do medo.

Daí, restam duas alternativas: controlar ou servir. A disputa por manter tudo e todos sob controle passa a ser uma “questão de sobrevivência”. Do mesmo modo, como argumentou Étienne de La Boétie no Discurso da servidão voluntária, algumas pessoas sacrificam a liberdade em nome de uma determinada segurança. 

A pergunta é simples, como podemos amar nessas condições?

Não é mais fácil se submeter? Servir ou controlar? Mas, o amor não é justamente uma oposição tanto à submissão quanto ao controle? A monogamia não é justamente a possibilidade de não se submeter e nem de controlar? Não é essa, a definição mais radical de monogamia?

Monogamia é a possibilidade de superar o medo, sem se submeter e sem controlar, convivendo numa exclusividade compreensiva.

O amor numa relação monogâmica não é necessariamente os limites do desejo; mas, reconhecer que a exploração do desejo até as últimas consequências. O que significa viver a parceria afetiva-sexual sem romantismo, sem formato aberto e sem cinismo?

À medida que nós vivemos com uma pessoa apenas, nós ampliamos e dilatamos muito a possibilidade de encontro com os fantasmas mais sombrios dos nossos porões. A etiqueta do verniz social tende a desaparecer completamente depois de passarmos muito tempo com alguém. Sem maquiagem e sem máscaras, a tendência é que os perfis mais feios se mostrem. É mais fácil de agradar com uma primeira impressão do que com 10 mil dias de convívio. Num período longo, a realidade sempre surpreende.

A monogamia é uma prova de que: podemos amar sendo humanos, sem perfeição, sem maquiagem e sem máscaras. 

O seu problema é justamente, que a nossa face mais humana pode assustar a nós mesmos. 

Renato Noguera

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