Sociedades tradicionais e o Autoconhecimento

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Povos indígenas nunca foram primitivos como anunciam alguns, nem “iletrados”, nem sem educação, hábitos, costumes, espiritualidade e línguas. Os originários étnicos do planeta, com sua tecnologia sobrevivem até hoje, apesar do genocídio implantado.

A força ancestral é o manancial imensurável de vida.

Pela milionésima vez continuamos, nós Povos indígenas, a mostrar que desde os primórdios da civilização somos povos, sim, diferenciados, com outras maneiras de ser e existir e pensar. A civilização originária aqui colocada pelo Criador há milhares de anos foi uma civilização que sabia dividir, com papéis definidos compartilhados entre homens, mulheres, crianças e anciãos e com grandes conhecimentos tradicionais e filosóficos.

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No Nepal, nas sociedades étnicas por exemplo, as mães cozinham até hoje, comidas orgânicas numa vida altamente rural e original e seus filhos permanecem ali coladinhos ao fogo dentro de casa acompanhando os movimentos maternos. Por isso uma criança de 6 anos, por exemplo,  pode vir a manejar o fogo e pode cozinhar o arroz para toda família e o irmão menor continua ali ao lado dele na observância, caso a mãe lhe peça para tal função ou ele mesmo tome tal atitude. 

E no ato de cozinhar, toda a família concentra-se naquele fogo de lenha ao chão na pequena casa, não só a observar a elaboração do alimento como a se acalentar do intenso frio, onde cada um comenta seu dia, outro conta uma história, o outro sugere tal e tal tempero. Nesse processo coletivo o ato de cozinhar, que na sociedade moderna é um ato solitário na maioria das vezes feminino e pesado, muitas vezes se diferencia dessa sociedade nepalense, entre outras etnias do mundo asiático entre outros continentes que possuem povos étnicos.

Do simples modo de cozinhar está intrínseco o princípio e a ética daquele povo, o amor, a solidariedade, a justiça. 

Neste caso, vemos  peças carnívoras ou peixes expostos para secar num varal, ou estendidas e espalhadas ao telhado, vemos uma quantidade imensa de temperos com sabores distintos que dão ao alimento paladares sofisticados oriundos da própria natureza e com coloridos exarcebados. Assim vivem os povos étnicos do Himalaia, do Tibet, na África calorosa, nas três Américas ou no Brasil acolhedor de muitos verdes e amarelos. Povos étnicos ou indígenas existem em todas as partes do mundo e essa existência constituiu-se sempre em um processo de equilíbrio à natureza colocada aí, no planeta terra pelo Criador desde o início da civilização humana.

As sociedades modernas, pós-modernas, contemporâneas urbanas ou não do mundo inteiro e tecnológicas e corporativas viram esse ato como uma forma primitiva de vida, mas foi assim que foram concebidos pelo grande Criador do universo. Em outros tempos, povos originários que porventura, visitavam sociedades urbanas eram ridicularizados, apedrejados, como aconteceu nos USA ou países europeus no século XIX para XX. A KKK* nos Estados Unidos incendiavam casas de pessoas oriundas de povos tradicionais africanos que vieram como escravos à serviço do senhor feudal. Essa é a história verdadeira entre sociedades chamadas modernas x sociedades oriundas de povos originários. 

As grandes matas como a Amazônia, os grandes lagos, as grandes montanhas como o Evereste na Europa, os grandes campos , as corredeiras do rios, enfim... ficaria aqui descrevendo cada topografia deste planeta maravilhoso, todos colocados ali pela providência existencial do Grande Criador...hoje tudo ameaçado pelas mãos dos donos do dinheiro, do capitalismo desenfreado e competidor. Até onde chegaremos?

Conta a minha avó indígena Potiguara, mulher sábia dos peitos grandes e de grande inteligência empreendedora que de uma banana ela fazia mil. Parece milagre, não é verdade? Mas não! Foram as forças ancestrais e sua cultura tradicional advindas de seus pais, avós, bisavós e tataravós que a inspiraram a salvar toda uma família potiguara escorraçada de suas terras para não serem escravos ou serem assassinado como foi o seu pai, Chico Solón, na Paraíba. Houve medo? Claro, quem não teria medo de se submeter às mãos assassinas da neocolonização que não consideravam pessoas indígenas de pele preta pelo sol, como ser humano? Assim foi a colonização no mundo inteiro.

O sistema de castas no sul da Índia foi brutal e aterrorizante para quem pertencesse a uma etnia de cor de pele escura. E isso entre o próprio povo indiano, assim como no Brasil onde o sistema de raças, etnias e de gênero desequilibra o respeito e igualdade entre seres humanos. O ar de superioridade racial submergiu em todos os tempos e lugares. E quantas vidas perdidas pelas mãos desses homens brutais, sem piedade, solidariedade que perpetuaram o racismo no seio de seu país e que tratavam os povos tradicionais, originários como mulas e sem alma. Não tínhamos as armas. Tínhamos a sabedoria dos ancestrais. E essa força tradicional nos acompanhou até os dias atuais. Os grandes mestres da sabedoria dos povos originários como os MAIAS, ASTECAS, INCAS sucumbiram frente à nova civilização europeia obviamente permanecendo a reminiscência, os Chiapas atuais mexicanos, os Mesquitos na Nicarágua , por exemplo.

E vocês queridos leitores e leitoras acham que a ciência e a economia são as supremacias do universo?

Ambas são importantes ao desenvolvimento das sociedades modernas ou falta mais algum item? E onde ficam as essências e a ética da vida humana? Onde ficam a auto-crítica e o autoconhecimento de cada um em prol da melhoria dos que vêm destruindo e poluindo dia a dia esse grande planeta azul? O que estão ensinando às crianças e aos jovens?

É hora de reaprender o que significa o autoconhecimento, grande qualidade dos mestres iniciáticos da valorização do outro, da comunidade, da ancestralidade e dos grandes anciãos. Voltar-se para si mesmo, para sua essência, para seu povo, enxergar-se no outro e se questionar o tempo todo quem somos nós, esse é um caminho deixado pelos grandes filósofos originais e essenciais da natureza humana em toda a parte do mundo. Serão os desastres ambientais, as mortes coletivas que ensinarão a humanidade ou cada um já vem a refletir o seu papel nas sociedades.

E o respeito? Como vão reconstruir o respeito a quem está ao seu lado?

A evolução começa dentro de si mesmo. Mas quando iniciam essa evolução interna o “egocentrismo”, “o meu”... “o meu poder” se contradiz ao “eu”, energia vital, o coração, aos princípios mais fundamentais e honestos de cada ser humano. O “meu”, tem vencido o “eu”. A humanidade está muito longe de compreender o que é o autoconhecimento, filosofia tão simples imanada pelos Cherokees, Mohawaks, Guarani e milhares de etnias originárias, onde o centro do mundo é o seu coração e alma, essência da fonte imensurável planetária.

O simples fato das sociedades originárias cozinharem ao pé do fogo de lenha e confraternizarem, ou outras etnias americanas juntarem-se para seu pow wow, ou as etnias brasileiras dançarem o Toré, por exemplo, convocando seu Criador, homenageando seu habitat ou agradecendo pela vida, pelo direito à vida simples que vivem, esse homem e mulher simples de alma e coração puros desprovidos do ego explorador do sangue do outro, poderão compor a nova sociedade mundial. E a nova Ordem Mundial das grandes potências irem literalmente à falência econômica, filosófica e física.

Eliane Potiguara

Instagram @elianepotiguara

*A Ku Klux Klan é uma organização terrorista que surgiu nos Estados Unidos, no século XIX, e ficou marcada por ser a maior organização do tipo na história desse país. É conhecida por utilizar uma roupa macabra e por promover atos de violência contra negros, judeus, católicos etc. No contexto em que foi criada, essa organização perseguia negros libertos e pessoas que apoiavam a concessão de maiores direitos aos negros no sul dos Estados Unidos. Chegou a contar com quatro milhões de membros em meados da década de 1920.