Alguma dúvida?

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Os processos relacionados ao estabelecimento e à sustentabilidade da saúde de uma população permeiam por diversos fatores de fácil compreensão, entretanto, por vezes, de difícil execução. Dentro deste contexto, a transição demográfica, ocorrida ao longo dos anos, tem papel importante no entendimento dos perfis das doenças que acometem a nossa população. Esta transição está relacionada ao controle dos coeficientes de natalidade, fecundidade e mortalidade em uma dada população.

É valido dizer que a natalidade expressa o número de pessoas que nascem em uma dada população, enquanto a fecundidade traduz o número médio de filhos por mulheres na idade fértil, e a mortalidade o número de óbitos em uma dada população.

O equilíbrio entre os indicadores é importante porque expressa o crescimento vegetativo de uma população. Por exemplo: se os coeficientes de natalidade e fecundidade são altos e o coeficiente de mortalidade é baixo, teríamos um crescimento vegetativo elevado. A nossa população cresceria exponencialmente. Já se todos os coeficientes forem altos, teríamos um crescimento vegetativo baixo.

O crescimento da população é importante porque ela pode refletir a nossa capacidade em prover condição de vida e trabalho, o que reverbera na qualidade de vida destinada a esta mesma população.

Atualmente, no Brasil, foi alcançado o controle do coeficiente de mortalidade e início do controle dos coeficientes de natalidade e fecundidade, sendo observada a redução destes dois ao longo dos anos. Neste sentido, temos aumentado a expectativa de vida no nosso país, sendo o grande desafio garantir que estes anos “a mais” sejam vividos com melhor qualidade.

Para garantir qualidade de vida, precisamos estar sempre combatendo as iniquidades em saúde, tema já abordado em colunas anteriores. Atualmente, no Brasil, consideramos que vivemos uma tríade epidemiológica:

1. Uma agenda não finalizada para controle de doenças infecciosas;

2. A hegemonia das condições crônicas não transmissíveis;

3. Um aumento de violências e outras causas externas.    

Quando pensamos na agenda não finalizada de doenças infecciosas, entende-se que seria possível o controle destas doenças até este momento, uma vez que ao longo dos anos foram desenvolvidas diversas ferramentas capazes de controlar e prevenir a ocorrência destas doenças. Neste escopo podemos evidenciar o desenvolvimento de vacinas, medicamentos e testes diagnósticos com maior acurácia por exemplo. 

Bom, imagino que não passou pela nossa cabeça o surgimento de um novo vírus com características de alta taxa de reprodução (R0 = 4; 1 caso gerando até 4 casos) e expressando uma alta letalidade, principalmente quando tratamos de casos em pessoas pertencentes ao grupo de risco (pessoas com hipertensão, diabetes, idosos e agora obesos).

Considerando que a maioria dos estados adotaram a medida de distanciamento social em março deste ano, neste mês de setembro entramos no sétimo mês em que permanecemos em casa (ou deveríamos permanecer) e reduzimos as atividades que envolvam aglomerações.

Atualmente e, possivelmente devido a este tempo prolongado de distanciamento social, discute-se o retorno das atividades. Em alguns locais, ainda temos associado a necessidade de retorno das atividades laborais (devido principalmente a questão econômica), um desassossego coletivo devido ao tempo prolongado em casa. Sobre este segundo ponto, é interessante discutir não para elencar as problemáticas psicológicas do “não poder”, mas principalmente para apontar a nossa falha em nos preparar para o que já sabemos que vai acontecer.

Não nos preparamos para a velhice, quiçá para o prolongamento do período de distanciamento social.

Todos estão se perguntando quando isso tudo irá acabar e porque está demorando tanto. Por que não chegamos ainda no pico? Se o objetivo inicial era achatar a curva, por consequência, teríamos que estar cientes de que o período do distanciamento também seria prolongado. O pico, nesta situação, não existiria. Teríamos uma mescla de curva mínima quase rente ao eixo “x”.  

Resolvi então, lembrá-los de que em se tratando de uma doença nova, muito ainda temos que descobrir. Não temos verdades absolutas. Toda e qualquer verdade pode virar pó. Há cerca de uma semana, passou no Jornal Nacional que “crianças e jovens com Covid-19 têm carga viral superior à de adultos hospitalizados”. Estranho pois no início era dito que crianças eram assintomáticas, não apresentavam sintomas, mas poderiam transmitir. Para muitas doenças infecciosas, a manifestação clínica depende da carga do agente. Aquelas pessoas que manifestam clinicamente a infecção, devem ter carga mais alta e vice-versa. Então, entendendo que as crianças são, em sua maioria, assintomáticas, estas deveriam ter carga viral mais baixa.  

Mas então, o que justifica a situação apresentada pelo novo estudo, desenvolvido em Boston, e que viralizou, apontando novamente o papel das crianças na transmissão da doença?

 Fui atrás do artigo. Até porque a mídia, muitas vezes, insiste em forçar algumas afirmativas sensacionalistas. Pois bem, o artigo mostra que as células de crianças possuem uma expressão menor de ACE-2, receptor utilizado pelos vírus para entrar na célula. Mas, considerando que os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, o que significa que eles precisam das células para se multiplicarem e sobreviverem, e que as células das crianças não permitem a entrada dos vírus pois possuem baixa expressão dos receptores, o que justifica a alta carga viral? Como a carga é alta se ele não consegue entrar na célula para se multiplicar? Não sabemos. Ele pode utilizar outros receptores desconhecidos ainda. Os poucos exemplares que entram podem, a partir de interações específicas com as células dos mais jovens, se multiplicar ainda mais rápido. Tudo isso são hipóteses. Mas a verdade, e esta eu torço para que seja de fato mutável, é que não sabemos. 

Não sabemos. Não sabemos. Não sabemos.

Assim como não sabemos se geramos memória para esta infecção, ou seja, se as pessoas que já contraíram e sobreviveram tornam-se imunes ao vírus. Da mesma forma, anteriormente, tínhamos grupos de risco bem definidos: pessoas com hipertensão, com diabetes, com doenças do sistema respiratório e idosos. Atualmente, estudos mostram que obesos tem maior chance de evoluírem negativamente à infecção.

Mas pera, não são todos os obesos, no último estudo desenvolvido no Estados Unidos, e revisão feita por grupos ingleses, mostraram que os homens obesos têm 4 vezes mais chances de morrer, entretanto esta não é uma verdade para as mulheres obesas. Mas como existe esta diferença, se em um estudo desenvolvido no Brasil sugere-se que o vírus consiga infectar adipócitos, células do tecido adiposo. Então ele infecta adipócitos só de homens, mas não de mulheres? Quais os fatores inerentes aos homens que aumentariam sua predisposição para a infecção? Ainda não sabemos.

E assim como estas dúvidas, muitas outras existem. Mas veja, em hipótese alguma eu estou colocando em dúvida os estudos. Aqui, o objetivo é que entendamos que a elucidação dos fatores inerentes à cadeia de transmissão, ao risco, às medidas de prevenção e ao controle da doença são complexos. Assim como foi para as demais doenças hoje já conhecidas.

O que temos certeza hoje é que: não há vacina. Não há tratamento. Então, se possível, permaneça em casa.

Abraços,

Rafaella Albuquerque

Instagram @rafaas28