Amizade - a dança das cadeiras do tempo

Ilustração Claudinei Sevegnani (@cucadenuvem)

Ilustração Claudinei Sevegnani (@cucadenuvem)

Eu havia prometido a mim mesmo que só escreveria um texto dedicado a ela depois que nos encontrássemos. Mas como tenho aprendido a rasgar todas as listinhas da cartilha do que nos aprisiona, escrevo agora.

Todo dia de manhã enquanto tomávamos nosso café amargo a gente ouvia o “esconderijo” da Ana Cañas. Anos se passaram, a Ana entrou, saiu, foi picada por todxs as cobras da contemporaneidade e lançou um álbum forte, politizado, de colisão. Nós? Nos perdemos no caminho.      

Faz anos (sou péssimo para decorar datas e tava com preguiça de fazer o cálculo) que não nos vemos. A última vez foi num sábado ao acaso nos corredores de um shopping. Desde então mensagens entrecortadas, fim, recomeços, filhos, “vamos marcar”, outra cidade, outros tempos.  

Eu nunca vou deixar você, menina

Mesmo que o mundo caia em pedaços

Essa é a frase de uma música que eu sempre falava pra ela. Com o ímpeto convicto de quem vê o futuro tão perto, tão sob controle, eu prometia. O tempo passa, a gente cresce e vê que não é bem assim. A infinitude das canções se esvaem pela efemeridade da vida. Cheguei a essa conclusão sem qualquer tipo de angústia, melancolia ou revolta. A maturidade faz com que entendamos que a vida corre seu curso de forma autônoma, itinerante. Ainda que o rio não seja mais o mesmo, as águas vão e voltam na correnteza.           

Estamos (geograficamente) a km e km de distância, a pequena grande Laura (filha dela) deve estar com seus quase 10 anos e eu não a conheço. Assisti “O Rei Leão” no cinema e foi inevitável ouvir “Hakuna Matata” e não lembrar de nós. E memória é o que não me falta. A meses ela me traga e me traz.

Apreciando uma taça de vinho no reflexo da silhueta do pensamento constatei como a vida segue um fluxo que é dela, e que até um dado momento achamos que está sob domínio do nosso desejo. As pessoas vem e vão e ficam e saem sem dar tempo de entender. Amigos, amores, nem tudo é para sempre e nem tudo tem resposta. 

A saudade se faz presente, mas não há espaço para cobranças. O famoso e intragável “sumiu, hein?” não cria raiz quando temos a consciência de que o sentimento não se condensa na matéria física, na concretude palpável. Na distância do abraço, de um café frio ou de uma carta imersa em lágrimas a gente encontra novos abrigos e isso não desmancha o quão importante foi o que passou e deixou rastros.

Hoje é domingo. A Fernanda Young morreu, precocemente, aos 49 anos. A morte é assim vem sem aviso, sem convite. Por isso, temos que sentir, falar, expressar, escrever sem picuinhas baratas, diminutas, insignificantes.   

Intensa você. 

Há vida. 

PORRA! 

Felipe Ferreira

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  • Felipe Ferreira antes colunista colaborador, agora passará a ocupar ás sextas-feiras quinzenalmente aqui, como colunista quinzenal! Bem Vindo!