As escolhas que nos trouxeram até aqui...

Bosch, Hieronymus

Bosch, Hieronymus

AGORA NÃO TEM MAIS JEITO. NÃO DÁ MAIS PARA FUGIR DE SI MESMO.

O CONFINAMENTO, SOLITÁRIO OU ACOMPANHADO, NOS OBRIGA A ENTRAR EM CONTATO COM AS ESCOLHAS QUE NOS TROUXERAM ATÉ AQUI. 

Desde as coisas mais banais, como: por que não consertei a máquina de lavar antes da quarentena? Até as mais profundas: que bom que aproveitei e investi tempo e empenho no meu autoconhecimento.

Acompanho alguns amigos nesse período excepcional. Alguns aproveitam para fazer tudo aquilo que sempre quiseram fazer e não tinham tempo: aprender violão, estudar outra língua, cuidar das plantas, devorar a biblioteca. Outros batem a cabeça na parede, inquietos, e aproveitam qualquer desculpa para sair de casa, mesmo que seja para algo não considerado essencial. Outros, ainda, entendem que o voltar-se para dentro pode significar para dentro mesmo.

O DENTRO DA PRIMEIRA E ÚLTIMA CASA QUE TEREMOS: O PRÓPRIO CORPO.

Para os que estão acompanhados, as relações vão se acelerando. Aquilo que só ficaria visível no outro com o passar dos anos, agora se revela com o passar dos dias. E, mais uma vez, é preciso confrontar as próprias escolhas. Queria mesmo estar ao lado dessa pessoa? Caso sim, tenho dado minha melhor contribuição para essa relação evoluir positivamente? Ou, em caso de filhos e pais, a relação que cultivei até aqui foi pautada em que forma de desfrutar o tempo? Afinal, não dá mais para terceirizar o filho para as escolas. Ou os pais para os cuidadores. 

E o mais interessante, não há receita.  

Cada um de nós vai ter que se olhar de frente e decidir como vai querer sair dessa. Fingindo que nada aconteceu e seguindo regando plantas que jamais darão os frutos que desejamos; ou, revendo as escolhas e, agora sim, decidindo ser quem eu quero quando isso acabar. 

Mas, o maior desafio, talvez seja o impacto de uma possível sentença de morte. A cada dia que passa, o vírus chega mais perto. É inevitável começarmos a saber de algum amigo distante, ou mais próximo, ou até alguém da família, que tenha se infectado.

Sob esse aspecto, é uma excelente oportunidade para refletir sobre o que é vida ou morte. Seja espiritualmente, seja filosoficamente, seja cotidianamente. 

Se a própria natureza, em tão pouco tempo, já demonstrou o quanto pode renascer quando não a agredimos, por que não podemos fazer o mesmo? Nossa vida, dure o tempo que durar, é passageira. E a delícia é que, se frente ao multiverso, somos bem insignificantes, frente à própria vida somos o que há de mais importante. É nesse equilíbrio que reside a possibilidade de abundância.

Posso evoluir se aprender a respeitar minha impotência diante de tanta coisa que é maior do que eu. E, da mesma forma, se também souber escutar os meus desejos e segui-los com responsabilidade.

A grande ironia é que, no fundo, nada mudou, pois estes foram, são e sempre serão, os desafios de estar vivo neste planeta. Mas essa ameaça invisível fez o mundo parar para que tenhamos tempo para responder várias perguntas. O importante é saber formulá-las.

Renato Farias

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