Arrogância não é defeito, é defesa!

tati.jpeg

Essa semana, mesmo vivendo em quarentena, me deparei virtualmente com algumas situações que não são novidades para mim, mas me provocaram a necessidade de falar sobre. Afinal, para que mais o universo, Deus, Deuses, a natureza, ou seja lá no que você acredita, nos colocou nesse confinamento com nós mesmos e nossos conceitos senão para uma reforma íntima? Uma limpeza de corpo, mente e alma?

UMA DAS MAIORES DIFICULDADES DO SUJEITO NEGRO É LIDAR COM A DESCONSTRUÇÃO DOS ESTEREÓTIPOS A ELE ATRIBUÍDO!

A mulher negra como objeto de prazer ou de servidão, o homem negro como objeto de prazer, mas também como símbolo da violência, do perigo, do mal, da burrice; ambos, homem ou mulher negro, tendo sua estética como grotesca ou exótica (esta última pela enorme dificuldade, que já melhorou, mas que ainda persiste, de nos identificarem como belos). Enfim, são diversos os estereótipos e todos eles muito maléficos a autoestima deste sujeito e a dificuldade de real interação deste indivíduo no contexto social sem ter que apelar para alteração de sua estética ou comportamento na busca pela aceitação.

Por conta dessas definições a este sujeito atribuídas, ele tem que, desde o nascimento, independentemente do nível social que ocupe, lutar para descobrir quem verdadeiramente é, ou seja, quem é por baixo de tudo aquilo que já definiram a seu respeito e que antecede o seu querer e ser.

Nessa caminhada o sujeito negro já saí em desvantagem porque, nesse princípio se constrói uma “verdade” que cria uma relação de poder que define parâmetros de comportamento e relação. Esses parâmetros colocam o sujeito branco no lugar superior daquele que “é”, aquele cuja vontade, desejo, ponto de vista, conceito de justiça, de moral ou retidão são o padrão a ser batido. A verdade. Ou seja, ele, o sujeito branco, está certo. Não até que se prove o contrário, mas até que ele decida o contrário. E o sujeito negro esta no lugar inferior daquele que “não é”, que tem que se explicar por tudo, que tem que convencer o outro. Convencer o outro de que ele “não é” burro, de que “não é” violento, de que “não é” um corpo a serviço do prazer ou fetiche branco, e tudo isso pedindo desculpas como estratégia para ser ouvido e não ser taxado de arrogante ou grosseiro (outro estereótipo).

DESSA FORMA O SUJEITO BRANCO ESTA NA CONFORTÁVEL SITUAÇÃO DA CERTEZA E O SUJEITO NEGRO NA INSEGURA SITUAÇÃO DA DEFESA.

CERTEZA X DEFESA

Para aqueles que fazem parte do grupo da certeza a vantagem é a autoestima em alta. Isso lhes confere mais confiança para enfrentar os desafios que lhes são impostos na sua caminhada. Tem a possibilidade de serem mais confiantes e seguros. Suas dificuldades estão muito mais no lugar do existencialismo e das particularidades do indivíduo do que deste indivíduo no contexto social. Mesmo quando esse privilegiado esta numa posição inferior dentro de seu grupo por se afastar do topo do padrão estabelecido de beleza, ou de posição social por exemplo, ele ainda sim, em relação àqueles que fazem parte do grupo da defesa, estão em vantagem.

Uma menina branca gorda, de cabelo comprido, mesmo abaixo na escala de padrão de beleza branco ocidental, vai ser menos preterida pelos meninos do que uma menina negra, magra, de cabelo curto. Porque esta está ainda mais abaixo na escala de beleza estabelecida. Consequentemente essa menina branca é mais confiante que essa negra. Ela sabe de forma inconsciente que “é” enquanto a outra sabe que “não é”. A menina branca gorda, se cair nessa pilha errada de que não é bela como é, tem a opção de emagrecer e ceder a uma ditadura social de beleza e ser aceita e até louvada pela atitude. E a menina negra? A negação á ela atribuída não esta em algo que ela pode transformar, esta nela. É ela. Isto interfere diretamente no nível de autoestima desse indivíduo que vai ter de lutar, não para aumentar a sua autoestima mas para construí-la a despeito de toda a negação que a cerca.

DEFESA, RESISTÊNCIA E RESILIÊNCIA

O sujeito negro esta em desvantagem na caminhada. O homem negro, alto, gordo, por exemplo, carrega o estereotipo de violento, agressivo porque sua imagem esta associada a este significante. Enquanto o mesmo gordo, alto, porém branco carrega a imagem de bonachão, protetor, fofo.

Se este homem negro, gordo, alto, tem qualquer gesto de impaciência, ou eleva a voz, mesmo que de brincadeira, será visto como agressivo, causará medo, afastamento, principalmente por parte das princesas de plantão e aqui você sabe bem qual é a tez dessa princesa.

Porém, o pior disso tudo é que, se esse homem tentar apontar o pré-conceito atribuído a sua imagem, será imediatamente desacreditado, com expressões do tipo “imagina! Você entendeu errado” (porque afinal de conta somos burros e sempre entendemos tudo errado), ou “nada a ver, eu só me assustei, mas não foi com você! Foi com seu grito!”. Mas será que se o grito fosse branco provocaria a mesma reação?

Mesmo diante do convite para essa reflexão a resposta que recebemos comumente é “ai, nada a ver! Você esta exagerando! Vendo maldade em tudo! ” (Porque afinal de conta além de burros somos maus).

No entanto, resistimos. Resistir é a lei da minha raça. Mas resistir também cansa. E muito. E não resistimos porque somos mais fortes. Resistimos porque precisamos sobreviver. E nessa perdemos, muitas das vezes, um tempo precioso tentando provar para o outro que a dor que ele causou esta doendo. Perdemos um tempo imenso explicando para por A + B o que acontece e muitas vezes o que ouvimos é: “eu te entendo (porque eles entendem tudo), respeito sua opinião mas não concordo”. Não estamos pedindo que concorde porque a questão não esta relativizada, ela esta estabelecida e precisa mudar. Compreender isso não é mérito do sujeito branco é obrigação. Não tem que ganhar uma estrelinha por isso. E se não compreende, aceita. Porque quando o assunto é racismo o sujeito negro tem sempre razão! Porque é ele que sente na pele. Literalmente. Todos os dias.

Sei que essa postura pode parecer arrogante.... e é. Resistimos porque somos teimosos e resilientes. E nessa resiliência nos reinventamos e também damos novos significados aos conceitos que nos cercam. O que para uns é defeito, para nós é estratégia de sobrevivência. Então que seja arrogância. Porque para uns isso pode até ser defeito, mas para nós é defesa.

Afinal, como disse MV Bil “Mantenho minha cabeça em pé. Fale o que quiser. Poder vir que já é. Junto com a ralé. Sem dar marcha ré. Só Deus pode me julgar por isso eu vou na fé”.

Tati Tiburcio

Instagram @tati_tiburcio

Siga no instagram @coletivo_indra