Coletivo Indra

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Bolsa Família

Credito: Márcia Foletto - Infoglobo

“E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar”

O termo “Saúde Única” (One Health) tem sido evidenciado nos últimos anos e comprova a necessidade de entendermos que, em se tratando de promoção e prevenção à saúde, é fundamental que consideremos que a saúde humana, animal e ambiental estão interligadas e, desta forma, fundamentam e sustentam as estratégias de vigilância e controle das doenças. 

Em se tratando de medicina humana, atualmente, o método clínico centrado na doença não é mais aceito, pois o mesmo se fundamentava somente no tratamento da manifestação clínica do paciente desconsiderando por exemplo que estes estão inseridos em um contexto social, e que este contexto pode deixá-los mais vulneráveis ao estabelecimento de doenças. Para ficar mais claro, antigamente os profissionais de saúde se restringiam a tratar o paciente considerando a doença que o acometia, entretanto não observavam como a sua condição de vida (condições de habitação e trabalho, acesso a alimentação e água tratada dentre outros) influenciava diretamente a formação da cadeia causal (causas necessárias e causas suficientes). 

Um dia recebi uma ligação para discutir o caso de uma senhora, que todos os anos pegava leishmaniose tegumentar (LT). Ela aparecia com uma lesão, era tratada, mas após um ano do tratamento, apareciam outras lesões, em outro lugar. Quando eu perguntei onde a pacientemorava, a pessoa da vigilância me disse que ela morava em uma casa dentro da mata, em área silvestre. A LT tem vários padrões de transmissão, entre eles o padrão silvestre, que gera uma importante parcela dos casos anualmente notificados. Então, se pensarmos na condição de moradia da paciente, enquanto ela morar em área silvestre e em uma casa permissiva a entrada dos vetores, ela vai continuar contraindo a doença. O que nos resta enquanto serviço público é realizar o diagnóstico oportuno e o tratamento da forma mais adequada possível, e em paralelo tentar buscar políticas que visem melhorias na condição de vida destas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social.

Considerando essas mudanças de percepção no âmbito do cuidado, atualmente o estudo dos determinantes sociais em saúde vem sendo fortalecido, objetivando aredução das diferenças injustas e evitáveis (iniquidades) no âmbito da saúde. A identificação destas diferenças ajuda a elencar as prioridades em termos de politicas públicas, considerando primariamente as condições de vida e de trabalho da população. Entretanto, por mais que entendamos claramente que a discussão e, por fim, o estabelecimento de políticas públicas voltadas para o controle das iniquidades é fundamental, sabemos também que o sistema pode ser moroso e influenciável por outros pontos, principalmente pelos interesses políticos. Neste sentido, fica claro a necessidade de traçar estratégias a curto prazo. É assim que surgem iniciativas como o bolsa família, criado em 2004, a partir da junção dos programas assistenciais propostos pelo governo do Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de reduzir o número de famílias que vivem em situação de extrema pobreza, refletido pelas famílias com renda per capita de até 70 reais.

O programa do bolsa família ao longo do governo Lula (2003-2006; 2007-2010) e Dilma (2011-2014 e 2015-2016) foi estruturado e a sua cobertura ampliada, chegando a contemplar cerca de 14 milhões de pessoas em 2012. É importante entender também que existem critérios para a entrada no programa e para a sua permanência. Ao ingressar no programa, os usuários devem seguir alguns critérios chamados de “condicionalidades” para a sua permanência, que são vistos como compromissos assumidos pelos beneficiários e pelo poder público para a superação da pobreza. Por exemplo, na área da educação, de acordo com a faixa etária, os beneficiários devem ter de 75 a 85% de presença nas aulas. Na área da saúde, é fundamental que para crianças abaixo de 7 anos seja mantido em dia o calendário vacinal, além de monitorado o seu crescimento (peso e medidas) no posto de saúde. Essas condicionalidades permitem o poder público acompanhar quais os tipos de dificuldades enfrentadas pelas famílias em termos de saúde e educação.

Então pode-se concluir que o programa segue três eixos principais para garantir o compromisso para saída da condição de vulnerabilidade: a transferência de renda, que promove condições mínimas para sobrevivência; as condicionalidades, que estimula o acesso à saúde e educação; e o ingresso aos programas complementares.

Todavia (e infelizmente), quando falamos de programas assistenciais, o entendimento da população pode ser observado de maneira polarizada. Parte da população entende a necessidade da criação destes tipos de iniciativas, enquanto que outra parte critica este tipo de assistencialismo usando como base a possibilidade de desvio de recurso, a contemplação de pessoas que não são primariamente elegíveis para a obtenção do mesmo, e a falácia que eu mais gosto: as pessoas que recebem o benefício se acomodam e muitas vezes tem até mais filhos para receber um número maior de bolsas. Para este grupo de pessoas, normalmente eu provoco fazendo as seguintes perguntas: 

1. O problema de fato são os princípios e objetivos do programa do bolsa família ou a nossa população, que dependendo da situação desenvolvem comportamentos corruptos?

2. Vocês realmente acreditam que uma pessoa que ganha mensalmente 70 reais, vai se acomodar com uma bolsa de 100 reais? Pensem um pouco e lembrem-se do que é possível fazer com 170 reais.

Mais recentemente, meus argumentos foram fortalecidos e embasados em estudos atuais que demonstram o impacto do bolsa família na redução de casos de doenças infecciosas associadas a pobreza como hanseníase e tuberculose, bem como em desfechos desfavoráveis à saúde associados a vulnerabilidade social, como a desnutrição aguda, crônica e mortalidade infantil.

Estudo desenvolvido por Nery et al (2014), analisou 1.358 municípios, que juntos albergavam 50% dos casos de hanseníase do Brasil. No período do estudo foi observado que a cobertura do Programa do Bolsa Família (PBF) e da Estratégia de Saúde da Família (ESF) aumentou, enquanto que a taxa detecção de casos de hanseníase reduziu. Foi observada redução mais expressiva na área com cobertura consolidada do PBF (RR = 0,79; IC95% = 0,74 - 0,83) e aumento em municípios com cobertura baixa de PSF. Neste estudo ainda foram evidenciadas mudanças em alguns indicadores sociais, como “% de população pobre” (43,8 para 29,8%), “Índice Gini” (de 0,56 para 0,53), “taxa de desemprego” (de 9 para 6,9%) e “média de residentes por domicílio” (3,9 para 3,5).

Resultados semelhantes foram demonstrados pelo mesmo grupo de pesquisa, mas agora tendo como referência a tuberculose. Quando comparados com os municípios de baixa e média cobertura, os municípios com cobertura do PBF acima de 70% demonstraram reduções significativas na taxa de incidência de tuberculose na ordem de 12%. 

Então finalizo afirmando que defendo veementemente os programas assistenciais como o bolsa família, mas com a crítica de estarmos vigilantes para que os programas pensados para serem executados a curto prazo não substituam as iniciativas de novas políticas públicas, concretas, fundamentadas e sustentáveis,voltadas para populações em situação de vulnerabilidadesociais. 

Rafaella Albuquerque e Silva

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REFERÊNCIAS 

http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2017/setembro/bolsa-familia-saiba-quais-sao-as-regras-para-participar-do-programa

J. S. Nery*, L. C. Rodrigues†, D. Rasella*, R. Aquino*, D. Barreira, A. W. Torrens‡, D. Boccia†, G. O. Penna, M. L. F. Penna, M. L. Barreto*, and S. M. Pereira*. Effect of Brazil’s conditional cash transfer programme on tuberculosis incidence Int J Tuberc Lung Dis. 2017 July 01; 21(7): 790–796. doi:10.5588/ijtld.16.0599. 

Joilda Silva Nery*, Susan Martins Pereira, Davide Rasella, Maria Lu ́cia Fernandes Penna, Rosana Aquino, Laura Cunha Rodrigues, Mauricio Lima Barreto, Gerson Oliveira Penna. Effect of the Brazilian Conditional Cash Transfer and Primary Health Care Programs on the New Case Detection Rate of Leprosy. PLOS Neglected Tropical Diseases | www.plosntds.org. November 2014 | Volume 8 | Issue 11 | e3357